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Mostra resgata o cinema alemão dos anos 40 e 50

Ciclo no CCBB reúne filmes de um período pouco conhecido da produção alemã, que vai do domínio nazista ao pós-guerra

Por Agencia Estado
Atualização:

Goebbels, ministro da propaganda de Hitler, achava que o cinema de entretenimento tinha um papel importante a cumprir durante a guerra - ajudava a manter o moral da população. Por isso, é inútil procurar rumor das batalhas por trás, por exemplo, de Romance em Tom Menor, de Helmut Käutner, produzido em 1943, no auge do conflito mundial. Este é um dos dez filmes que serão apresentados na mostra O Cinema na Alemanha: do Nazismo ao Pós-Guerra, no Centro Cultural Banco do Brasil, de amanhã a 27 de janeiro. O curador da retrospectiva, o pesquisador Jorge Roldan, diz que o objetivo é justamente preencher uma lacuna. "Em geral se conhece bem o cinema alemão dos anos 20 e 30, época do expressionismo. Depois, volta-se a falar dele com o novo cinema que surge nas décadas de 60 e 70 quando nomes como Fassbinder, Wenders e Herzog tornam-se familiares". No meio, um buraco negro. E, no entanto, durante esse período obscuro (pelo menos para o cinéfilo brasileiro), o cinema continuou sendo feito. Antes da guerra, durante e depois dela, já com a Alemanha dividida em dois países, o ocidental e o oriental. Um Passo em Falso, de Gustav Gründgens, abre a mostra nesta terça-feira às 15h30. Produzido em 1939, em nada fala de um país prestes a se engajar na mais sinistra aventura bélica do século passado. É um filme de época, passado no tempo de Bismarck, e tem como personagem principal uma Bovary tedesca. Effi Briest é o nome da moça e também o do romance de Theodore Fontane, adaptado por Gründgens. Aos 17 anos, Effi (Marianne Hoppe) casa-se com um nobre. Com ele vive entediada e insegura em uma mansão à beira-mar. Envolve-se com um amigo do marido, mas o affair só se revela anos depois, com o casal morando já em Berlim. Há um duelo, a desgraça, e a adúltera, convenientemente para o padrão moral da época, paga por seu pecado. No entanto, o tom do filme, clássico, pesado, não se rende inteiramente ao moralismo, como seria de se esperar. Fica na altura da personagem e se não faz dela uma mártir, nem adota seu ponto de vista, também evita condená-la sem apelação. Vale como estudo de costumes. Mesmo porque conclui que o marido mata menos por uma questão pessoal do que pelo conceito social de honra. Ou seja, por pressão da comunidade. Outro triângulo é o tema de Romance em Tom Menor, de Helmut Käutner, mais uma vez com a bela Marianne Hoppe desempenhando o papel de pomo da discórdia entre homens. Ela é casada com um funcionário de banco e apaixona-se por um maestro. Mantém vida dupla, mas, quando o chefe do marido descobre o caso, passa a chantageá-la, o que leva ao desfecho dramático. Uma bela adaptação de uma narrativa de Guy de Maupassant, prova de que as autoridades alemãs não viam problema em um diretor patrício adaptar o texto proveniente de um país ocupado, como era o caso da França em 1943. São filmes que se vêem com prazer, embora sejam datados. Nota-se a competência da produção. "De fato, a indústria cinematográfica alemã era tecnicamente tão apurada quanto a de Hollywood, e continuou a sê-lo durante a guerra", diz Roldan. Panorama bem diferente, como era de se esperar, surge nos filmes feitos depois de 1945. Agora o espírito crítico já pode se expressar e surgem histórias sobre a grande loucura em que o país embarcou e suas conseqüências. É o caso de Céu sem Estrelas, do mesmo Helmut Käutner, que trata novamente de um caso de amor, mas desta vez já contra um pano de fundo político. O romance de Anna e Karl é dividido pela fronteira entre as duas Alemanhas e terá um desfecho cruel por causa dessa contingência. A narrativa em off avisa que o caso de Anna e Karl é fictício, mas poderia perfeitamente acontecer na realidade. Céu sem Estrelas é de 1955 e o contexto da guerra fria se faz presente no tom dessa produção ocidental. Apesar da figura simpática de um jovem militar soviético, a prática do interrogatório sistemático e o culto à personalidade dos ícones comunistas - Lenin, Stalin, Mao - são denunciados nesta produção alemã ocidental. Berlim - Talvez o caso mais impressionante do cinema alemão do pós-guerra seja o de Os Assassinos Estão entre Nós, de Wolfgang Staudte. No panorama de uma Berlim em ruínas, fala de um caso de amor, mas fala sobretudo do ajuste de contas com o passado: um médico não consegue amar uma mulher enquanto continuar atormentado pela lembrança de um massacre que testemunhou e não pôde impedir na Polônia, durante a guerra. O tratamento visual do filme é sofisticado, revivendo a ousadia dos expressionistas, e o subtexto parece claro: se nem todo mundo embarcou cegamente no pesadelo imposto por Hitler, a conta chegara para todos e era preciso pagá-la coletivamente antes de começar nova vida. Os outros filmes da mostra são: Por Baixo das Pontes (1945), sobre uma moça que é salva por dois barqueiros e provoca a divisão entre eles; Estrelas (1958), com a história de um soldado alemão que conhece moça judia durante a guerra e se apaixona por ela; A Ponte (1959), o episódio de sete soldados incumbidos de defender ponte de um ataque aéreo; Despido entre Lobos (1962), sobre grupo de prisioneiros de um campo de concentração que decide fugir com a iminência da chegada dos aliados; Lissy (1956), sobre a mulher que conserva sentimentos humanitários, apesar de o marido abraçar a causa nazista; e O Ídolo do Pecado (1958), polêmica história baseada em fatos verídicos sobre uma garota de programa assassinada porque entre seus clientes encontravam-se nomes famosos da Alemanha Ocidental durante a fase de reconstrução. Não se pense, porém, que obras críticas como as descritas eram maioria na produção do pós-guerra, na Alemanha Ocidental, ou na Oriental. "As pessoas davam preferência aos filmes escapistas, que as fizessem esquecer da guerra e fugiam daqueles que procuravam lembrá-las do passado recente", diz Roldan. "No entanto, havia cineastas que julgavam ser sua obrigação mostrar os fatos trágicos e não escondê-los." Foi assim também com o neo-realismo italiano, cujos filmes não fizeram sucesso de público. Mas passaram à História. O Cinema na Alemanha: do Nazismo ao Pós-Guerra. Cinepasses: R$ 8,00 e R$ 4,00 (acesso às sessões por um mês). Centro Cultural Banco do Brasil. Rua Álvares Penteado, 112, tel. 3113-3651. Até 27/1.

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