Mostra competitiva do Festival de Brasília exibe 'Eles Voltam'

Filme exige do espectador mais que a atenção flutuante que é de praxe nas maratonas de cinema

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Por Luiz Zanin Oricchio - O Estado de S.Paulo
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Pronto, começou a mostra competitiva do 45º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, agora, como você sabe, no formato maratona, com dois longas e três curtas por noite. A sessão começou pouco depois das 19h desta terça-feira, 18, e se estendeu até a meia-noite no Teatro Nacional. O segundo longa da competição (as ficções), será sempre prejudicado, pois pega já um público sem fôlego. Com o agravante, como foi o caso de Eles Voltam, de Marcelo Lordello, que exige do espectador mais que a atenção flutuante que é de praxe nas maratonas cinematográficas e outras competições de fundo. O "x"da questão com o longa de Lordello é a narrativa nada convencional, o que em tese é muito bom. Será preciso, no entanto, por parte do espectador, certa paciência com a incerteza sobre o rumo da história. No princípio, o que se vê é um plano bastante geral de uma estrada, na qual um carro estaciona e dois adolescentes descem. São os irmãos Cris e Peu, que ficam à beira da estrada. Não se sabe direito o que aconteceu, mas eles ficam sozinhos. Peu decide procurar por alguém num posto de gasolina do qual ele tem vaga ideia da localização. Cris fica por lá, sozinha, até ser encontrada por um garoto que passa de bicicleta e decide ajudá-la. O resto da história será a trajetória da garota, uma longa volta para casa na qual ela convive com diversas pessoas que não pertencem à sua classe social. A cada passo, ficamos sabendo um pouquinho mais sobre Cris e outros personagens, mas boa parte permanece no escuro. É um filme de matizes e tons cinzentos, com falas alusivas e diálogos naturalistas. Muitas vezes as tomadas são em tempo real. A questão social passa na contraluz, com a presença de um grupo de trabalhadores sem terra, cuja trajetória é restituída na fala de alguns personagens. Tudo é muito sutil. E o clima é de desencanto, sem tensão, sem pontos de ruptura, como a representar, na linguagem do filme, um certo mal-estar na cultura brasileira contemporânea. Não é a primeira vez que se sente isso. Lordello é do Recife. Parece fazer parte de uma geração que troca a exuberância da anterior (de Lírio Ferreira, Paulo Caldas e Claudio Assis) pela angústia existencial profunda, uma deprê federal.Como se Kierkegaard tivesse baixado nos trópicos. O documentário que o precedeu, Um Filme para Dirceu, de Ana Johann, vem de Santa Catarina. O personagem, o tal Dirceu, é um jovem que ficou paraplégico e depois voltou a andar. É uma figuraça. Gaiteiro (tocador de harmônica), anda pelo interior e anima festas. Seu sonho é se tornar astro pop. A diretora o acompanha durante três anos. Há um fio de narrativa, porque Dirceu quer fazer um filme sobre si mesmo, em companhia de um amigo. Então, o documentário é, muitas vezes, sobre o personagem mas também sobre a obra que ele deseja realizar. Tem bons momentos. Mas sua estrutura é frágil e, às vezes, até aleatória. Falta elaboração.Notas Pernambuco, e, em segundo lugar, Rio, são os Estados dominantes nesta edição do Festival de Brasília. Sobrou pouco espaço para o resto do Brasil. Inclusive para os donos da casa, o que tem gerado protestos locais. Um desses revoltados é o do grande documentarista Vladimir Carvalho, paraibano de origem, mas residente em Brasília desde 1969. Em artigo explosivo no Correio Braziliense, intitulado "Fala Sério, festival", Vladimir lamenta que só haja um curta-metragem candango entre os competidores deste ano. Quem já está em Brasília é a atriz Maria Fernanda Cândido que integra o júri de longas e curtas-metragens de ficção e curtas de animação. Em conversa com os jornalistas, Maria Fernanda disse que o o cinema brasileiro vive um ótimo momento. E que ela se nutre de poesia e filosofia para encorpar seu trabalho de intérprete. O critério de ineditismo, que se aplicou aos longas, não valeu para os curtas-metragens. Como consequência há muita redundância, com filmes já exibidos em outros festivais.

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