Morre Mike Nichols, diretor de 'A Primeira Noite de um Homem'

Cineasta de 83 anos nasceu em Berlim, na Alemanha

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Atualizado às 19h00.

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Mike Nichols inscreveu seu nome na grande revolução de costumes dos anos 1960 – a chamada ‘década que mudou tudo’. Nascido na Alemanha, criado nos EUA, ele adquiriu fama no teatro, revolucionando a cena norte-americana com montagens audaciosas de textos críticos da sociedade consumista da ‘América’. Quando a Warner adquiriu os direitos do texto de Edward Albee, Quem Tem Medo de Virginia Woolf? – para o casal 20 de Hollywood na época, Elizabeth Taylor e Richard Burton –, Nichols, mesmo sem experiência prévia de cinema, foi chamado para dirigir. Taylor, que engordou para fazer o papel – e nunca mais recuperou a forma –, ganhou o Oscar por sua criação como a desbocada ‘Martha’ e Sandy Dennis empalmou a estatueta de melhor atriz coadjuvante.

Os críticos discutiram se os malabarismos de câmera que Nichols impôs a seu diretor de fotografia foram suficientes para desteatralizar o relato, mas Quem Tem Medo de Virginia Woolf? ganhou prestígio e conquistou o público. E foi então que Mike Nichols, em seu segundo filme, fez história no cinemão. Na França e na Inglaterra, a nouvelle vague e o free cinema haviam proposto filmes mais livres de fórmulas, baseados numa linguagem franca ao tratar de sexo. Nichols já provara que o assunto não o intimidava, mas o sexo, em Virginia Woolf, era oral, no sentido de falado – e gritado, e cuspido com ódio. No mundo todo, havia uma revolução de jovens em andamento. Minissaia, pílula, os Beatles já haviam feito seu histórico show na TV dos EUA. Nichols voltou-se para a juventude. Criou um personagem emblemático das inquietações que consumiam o adolescente do período.

Seu nome, Benjamin Braddock. O ator, Dustin Hoffman. Quando o filme começa, Ben está se graduando. O filme chama-se The Graduate, no original. No Brasil, virou A Primeira Noite de Um Homem. Para comemorar que o filho se formou, os pais dão uma festa. Ben sente-se acuado, não sabe o que quer. Isola-se no fundo da piscina e, na trilha, sobe um dos hits que compuseram a trilha sonora vitoriosa de Simon e Garfunkel – The Sound of Silence, O Som do Silêncio. Com a testosterona a mil, Ben pode não saber o que quer como carreira, mas é consumido pelo desejo e vira amante da mãe da garota que ama. A garota é Katharine Ross, que fez depois Butch Cassidy, formando o triângulo com Paul Newman e Robert Redford. A mãe devoradora é Anne Bancroft, que já recebera seu Oscar por O Milagre de Anne Sullivan, de Arthur Penn, mas depois desse filme virou a eterna Mrs. Robinson. Sim, a trilha de Simon e Garfunkel de novo contribuiu, e muito, para isso. A batida de Mrs. Robinson virou ‘o’ hit na trilha de A Primeira Noite.

Agora os críticos não tiveram dúvida. O estilo de Nichols não podia ser mais cinematográfico, ritmado pela música e pela verve dos diálogos. Ele ganhou o Oscar de direção, mas A Primeira Noite de Um Homem não foi o melhor filme do ano. Para a Academia, foi Adivinhe Quem Vem para Jantar?, de Stanley Kramer. Aureolado – sucesso de público e crítica –, Nichols tudo podia no fim dos anos 1960. Escolheu um livro considerado infilmável – Ardil 22, de Joseph Heller – e desconcertou meio mundo com sua visão surreal da guerra (em pleno Vietnã). Ânsia de Amar, com roteiro de Jules Pfeiffer, devolveu-o à obsessão pelo sexo. Seguindo as fantasias de dois amigos – Jack Nicholson e Art Garfunkel –, o diretor fez uma dissecação por vezes dolorosa do desejo do macho americano. O sexo como consumo, não como fruição. Quantidade em vez de qualidade – e aí, comeu?

Nos anos e décadas seguintes, Nichols continuou sendo um diretor prestigiado. Seu nome se inclui no seleto grupo dos que, com Barbra Streisand e alguns poucos, ganharam a tetralogia dos grandes prêmios do show bizz. Oscar, Emmy, Tony – os Oscars da TV e do teatro –, Grammy. Fez filmes de denúncia (Silkwood, com Meryl Streep), comédias (Uma Secretária de Futuro, com Melanie Griffith, e Gaiola das Loucas), mas sempre que possível voltava ao tema dos relacionamentos. A Difícil Arte de Amar baseou-se na complicada união da futura diretora Nora Ephron com o jornalista Carl Bernstein – do escândalo Watergate. Um notório mulherengo, ele não conseguia controlar sua ‘ânsia de amar’. Jack Nicholson foi quem fez o papel, contracenando com Meryl Streep. Outra acurada dissecação do peso do sexo nas relações afetivas foi Closer – Perto Demais, com o quarteto Julia Roberts, Natalie Portman, Clive Owen e Jude Law. Misturando sexo e poder – e inspirado nas escapadas do ex-presidente Bill Clinton – fez Jogos de Poder

Talvez a vocação de entertainer de Mike Nichols o tenha impedido de ser o imenso diretor que tinha condições de ser. Alguns (muitos?) de seus filmes poderiam ser assinados por não importa quem, mas ele os fazia com gosto (e competência). Foi dos primeiros a bradar que, face à infantilização de Hollywood, a televisão estava virando o reduto da dramaturgia adulta nos EUA. Na rede ABC, fez um especial que marcou época – Angels in America. O flagelo da aids lhe permitia não apenas refletir sobre as mudanças comportamentais produzidas pela síndrome como metaforizar, por meio delas, uma crise dos EUA. Foi justamente o presidente da ABC, James Goldston, que anunciou ontem a morte de Nichols. A mulher do diretor, e agora sua viúva, Diane Sawyer, é poderosa na rede. Nichols morreu aos 83 anos, que completou dia 6. A causa da morte foi uma parada cardíaca.

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Nichols gostava de contar que seus primeiros anos nos EUA foram tristes. Ele não falava bem inglês, sentia-se deslocado. Para piorar, complicações decorrentes de uma vacina contra coqueluche produziam constantes quedas de cabelo. A situação começou a mudar quando ele usou o humor como arma. Formou um duo muito bem-sucedido com Elaine May. Riam – debochavam – de tudo e todos. Só que ser comediante não lhe bastava. No teatro, desenvolveu sua persona dramática e, eventualmente, trágica. Como resumiu James Goldston, “numa carreira vitoriosa que durou mais de seis décadas, Mike criou alguns dos mais icônicos trabalhos do cinema, da TV e do teatro americanos. Foi um verdadeiro visionário.”

A primeira noite de um homem

Quem tem medo de Virginia Woolf

Birdcage - Gaiola das Loucas

Closer - Perto Demais

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