Mercado nacional se movimenta contra o monopólio da ocupação dos cinemas

Ancine e agentes do mercado se unem para evitar a asfixia criada pelos blockbusters e planejam seguir modelo francês

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Por Pedro Antunes
Atualização:

Não, a culpa não foi de Jogos Vorazes: A Esperança - Parte 1, e o seu avassalador projeto de lançamento, chegando a 1,3 mil salas do território nacional no fim de semana de lançamento, em novembro deste ano. Se no Brasil existem cerca de 2,8 mil telas, segundo a Agência Nacional do Cinema (Ancine), a terceira e penúltima parte da aventura de Katniss Everdeen, interpretada por Jennifer Lawrence, ocupou 46,4% do total. O número, contudo, assustou. E a discussão sobre uma forma de autorregular os grandes lançamentos, antes restrita à câmara técnica formada pela Ancine e profissionais do mercado, ganhou forma. Nesta segunda-feira, 15, a agência e as partes interessadas (produtores, distribuidores e exibidores) assinaram um relatório com as resoluções técnicas e, também, sobre a maior questão envolvida: como lidar com os lançamentos vorazes de blockbusters com o mínimo de derramamento de sangue, ou seja, sem grandes prejuízos.

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"Veja bem, não somos contra os grandes lançamentos", pondera Manoel Rangel, diretor-presidente da entidade reguladora desde 2007. "A agência entende que os grandes lançamentos são bem-vindos. Assim como a câmara técnica. O que não é bem-vindo é o megalançamento. É aquele que não otimiza o circuito. Eles utilizam apenas o ‘filé mignon’, ou seja, nem sequer atendem um conjunto de exibidores que solicitaram o direito de veicular, exibir determinado filme."

Jogos Vorazes: A Esperança - Parte 1 foi apenas a ponta do iceberg que surgiu para alertar o mercado. O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos, desde a semana passada em cartaz, também atingiu 1.073 salas ao redor do País. "Nós constatamos que, no decorrer do ano, o maior dos lançamentos ocupou 500 complexos. O Brasil tem 750", continua Rangel. "Para nós, a questão é a quantidade de salas que podem ser ocupadas por título dentro de um mesmo complexo."

A medida foi assinada pela câmera técnica instituída pela Ancine com o intuito de criar a discussão do tema entre todas as partes. A medida tomada, com o estabelecimento de um limite no número de telas em cada complexo, caminha para seguir um modelo adotado na França, no qual as produções não podem ultrapassar um teto de 30% das salas de determinado estabelecimento. No Brasil, o número máximo ainda está em discussão e será anunciado "em breve", segundo Rangel.

O embate entre cinema nacional e os blockbuster, nesta história, se torna uma Guerra Fria sem ataques diretos. Porém, o lado nacional não tem condições de lutar em pé de igualdade pela questão mais básica, a financeira. "Fica difícil (a competição) com a quantidade de dinheiro que os filmes gringos investem em marketing", avalia Rodrigo Teixeira, da RT Features, produtor de filmes como Heleno, Tim Maia e Alemão. "Se não for criada uma instrução normativa, algo que ajude, o mercado cinematográfico brasileiro vai sofrer muito as consequências", completou.

O produtor aponta o ano de 2014 como atípico, já que a Copa do Mundo de Futebol, realizada no País, e as eleições presidenciais, ocuparam parte do interesse do público. "A Copa do Mundo matou o interesse por cinema durante 60 dias. As eleições polarizaram o Brasil. Não tinha como competir."

A questão já existente há tempos foi acentuada pelo ano difícil para o cinema no Brasil. "Há dois anos eu falo da gravidade deste problema", garante André Sturm, diretor e proprietário do Caixa Belas Artes, tradicional complexo de cinema dedicado à arte, reaberto em julho, após três anos. Ele defende, veementemente, o limite de 30% das telas destinadas a cada filme nos complexos - o principal ponto de desacordo ainda entre distribuidores, exibidores e produtores. "O que o capitalismo propõe é a liberdade de mercado. E não significa poder fazer qualquer coisa, mas, sim, a liberdade para que todos possam fazer", completa.

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Adhemar Oliveira, distribuidor e exibidor do Espaço Itaú de Cinema, divide-se entre os blockbusters no complexo de 10 salas na Pompeia, e o autoral, na rua Augusta, ambos em São Paulo. Com a experiência de 20 anos, ele parece saber a receita. "Ninguém vive de um sabor só. A vida é feita de vários sabores, Como o cinema é vida, ele precisa ter esses sabores todos", acrescenta.

ENTREVISTA

Fernando Meirelles, diretor

‘Gargalo não é produção, mas distribuição’

 

Como o limite de telas impactará o mercado nacional?

O gargalo do cinema brasileiro hoje não é mais a produção, mas a distribuição. Faz sentido tentar controlar a monocultura que vem tomando conta das nossas salas. Ao colocar Jogos Vorazes em quase metade das salas do País, os distribuidores deram um tiro no próprio pé. Agora, terão que aprender a viver com um limite de ocupação de salas. Mas ninguém vai quebrar.

É o momento certo para ela?

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Poderia ter chegado antes. Ela não beneficia apenas o cinema brasileiro, beneficia principalmente o espectador, hoje privado de filmes menores, europeus, latino-americanos e documentários. Com menos salas ocupadas pelos blockbusters, mais títulos terão espaço. Esse negócio de só boi ou soja não dá certo.

É possível competir com os blockbusters sem a medida?

Para competir com mais chances, limitar a ocupação de salas foi uma boa ideia. Mas há outra, sempre em pauta, que seria taxar os distribuidores progressivamente, de acordo com número de salas ocupadas. Com um número de cópias, se pagaria extra para cada nova sala ocupada. Deixar de ser rentável ultrapassar umas 600 cópias. Elas funcionariam bem juntas.

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