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Meirelles admite que 'Ensaio' é sombrio demais para abrir Cannes

Por MIKE COLLETT-WHITE
Atualização:

"Ensaio Sobre a Cegueira" levou visões apocalípticas da sociedade em colapso ao Festival de Cinema de Cannes nesta quarta-feira, e o diretor Fernando Meirelles admitiu que o cenário sombrio que ele fez da humanidade foi uma escolha estranha para abrir o glamouroso evento francês. Foi uma inauguração séria dos 12 dias de filmes, entrevistas, iniciativas publicitárias e festas no resort da Riviera francesa, que se orgulha de promover o cinema alternativo tanto quanto de receber a realeza de Hollywood em seu tapete vermelho. "Ensaio Sobre a Cegueira" é uma adaptação do romance homônimo do premiado com o Nobel José Saramago e conta a história de uma epidemia de cegueira que varre o mundo. Julianne Moore faz a esposa de um médico que, como o público do filme, consegue enxergar a morte, a crueldade e a degradação que a cercam. Pouco a pouco, ela se conscientiza da responsabilidade que sua posição singular lhe impõe. "Nós nos achamos tão fortes, sofisticados e sólidos", disse Meirelles a jornalistas depois da exibição do filme para a imprensa. "Mas então uma coisa dá errado e tudo desaba." "Patinamos sobre gelo fino. Qualquer coisa pode acontecer e acontece", continuou o diretor, que ganhou fama mundial com "Cidade de Deus". A estréia oficial do filme será esta noite. Meirelles e o roteirista Don McKellar disseram que se sentiram inspirados pelo fato de o romance de Saramago aparentemente refletir os desastres naturais da vida real, as doenças e nossos temores recentes com segurança alimentar. ESCOLHA ESTRANHA PARA ABRIR O FESTIVAL Fernando Meirelles disse que abrir o festival de Cannes é uma honra e também uma pressão, mas acrescentou: "Para ser franco, acho que este não é o melhor filme para abrir um festival". Boa parte do filme é ambientada num asilo abandonado nas proximidades de uma cidade não identificada. As autoridades em pânico encerram ali a vida de pessoas atingidas pela contagiosa "doença branca" -- assim chamada porque os cegos enxergam tudo branco, e não negro. Um sistema de vida operacional, apesar da miséria humana, derrapa quando um dos detentos -- o mexicano Gael Garcia Bernal -- decide aplicar a lei com suas próprias mãos. Em meio à anarquia resultante, atrocidades são cometidas e, quando os detentos se libertam, Moore descobre que o resto da cidade não está se saindo muito melhor que eles. "Agimos como pessoas civilizadas porque temos comida, temos tudo bem estabelecido", disse Meirelles. "Basta perdermos isso para vir à tona o que realmente somos por baixo." Ao lado de "Ensaio Sobre a Cegueira", a competição principal em Cannes inclui outro filme brasileiro -- "Linha de Passe", de Walter Salles e Daniela Thomas. Há também dois argentinos: o drama carcerário "Leonera", de Pablo Trapero, e o suspense "La Mujer Sin Cabeza", de Lucrecia Martel. Os filmes vão competir com "A Troca" ("Changeling"), dirigido por Clint Eastwood e estrelado por Angelina Jolie, e "Che", de Steven Soderbergh, épico de quatro horas e meia sobre o revolucionário argentino Che Guevara, com Benicio del Toro no papel-título. Os dois outros filmes americanos da competição são "Two Lovers", com Gwyneth Paltrow e Joaquin Phoenix, e "Synecdoche, New York", de Charlie Kaufman, com Philip Seymour Hoffman. Outra atração de Cannes este ano será "Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal", de Steven Spielberg, em que Harrison Ford faz o arqueólogo Indiana Jones pela quarta vez no cinema.

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