PUBLICIDADE

Matt Dillon estréia na direção com "Cidade Fantasma"

Em sua estréia como diretor, Matt Dillon fez um filme digno de atenção, pela visão otimista sobre a amizade e a humanidade em meio a uma história e personagens cruéis

Por Agencia Estado
Atualização:

E não é que ele fez um bom filme? Matt Dillon estréia na direção com Cidade Fantasma. Ele não apenas dirige e interpreta. Também escreveu o filme, um roteiro original em parceria com Barry Gifford, que escreveu Coração Selvagem e Estrada Perdida para David Lynch. Dillon e Gifford leram muito Graham Greene, viram velhos filmes de Orson Welles. Há algo de Grilhões do Passado e A Marca da Maldade na trama do filme que estréia hoje. Começa como várias histórias noir, sobre um homem enganado. Matt Dillon assiste pela TV às imagens de um furacão que causa destruição nos EUA. As famílias que perderam tudo olham para a câmera e dizem que contam com o dinheiro do seguro para reorganizar suas vidas. Ele cobre o rosto com as mãos. Você antecipa. Dillon, que no filme se chama Jimmy, trabalha numa seguradora. Logo em seguida entram em cena agentes do FBI. Ele foi abandonado pelo sócio e agora não tem como ressarcir as pessoas que, pouco antes, o espectador viu colocarem suas esperanças na seguradora. Jimmy vai atrás de Marvin. É o personagem interpretado por James Caan, um vigarista que fugiu para o Camboja. Talvez haja aí alguma influência de Francis Ford Coppola, pois Dillon, que faz um pouco o gênero bonitinho mas ordinário, trabalhou em dois filmes do diretor: Vidas sem Rumo e O Selvagem da Motocicleta. Kurtz, o militar que enlouqueceu em Apocalypse Now, esconde-se no Camboja. É para lá que vai Jimmy. Encontra um mundo implodido pela guerra (e pelo Khmer Vermelho). Stellan Skarsgard, o ator dinamarquês, de Ondas do Destino, que faz um papel importante, diz que a casa onde Jimmy e ele encontram Marvin precisa de uma pintura. Marvin acrescenta que o Camboja inteiro precisa de uma pintura para disfarçar os podres de um mundo corrupto e violento. Toda a trama de Cidade Fantasma, com suas reviravoltas, gira em torno de uma maquinação. Tudo o que ocorre com Jimmy e as pessoas que o cercam - roubos, assassinatos, brutalidades variadas - parte de um cérebro manipulador. Você pode até intuir de quem é esse cérebro. Há aí um conceito de justiça em perigo, de decadência, que remete aos personagens de Orson Welles em Grilhões do Passado e A Marca da Maldade. Nesse mundo em que os personagens parecem atados pelos grilhões do passado e a marca da maldade faz-se presente por todos os lados, num total desrespeito pela vida humana, o herói encontra figuras poderosas. Uma delas é o francês Émile, interpretado por Gérard Depardieu. Outra é a restauradora à qual Natascha McElhone empresta sua beleza e seu talento. É a atriz de Solaris, o remake de Steven Soderbergh. A mais forte de todas é o nativo cambojano, Sok. É um ciclista, um condutor de riquixás que sonha possuir seu carro. Dillon e Gifford talvez tenham visto também o admirável Cyclo, de Tran Anh-hung. Sok é o personagem mais belo de Cidade Fantasma. Se Jimmy é o perdedor que tenta dar a volta por cima e construir um futuro para ele, Sok descortina para ele um mundo de amizade e lealdade que reforçam a crença do protagonista na esperança. No desfecho, Dillon, diretor, abandona Dillon, ator, para se concentrar no personagem do cambojano. O país não precisa de uma pintura para disfarçar coisa nenhuma. Há nessas cenas de Sok com a família, no templo, um amor tão grande - pelo Camboja, pela humanidade - que fazem da estréia de Matt Dillon um filme a não desconsiderar, sob pena de estar-se cometendo uma injustiça.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.