Masagão finaliza segundo longa

Nem Gravata nem Honra é o novo filme de Marcelo Masagão. Ele evita classificar a nova obra simplesmente como ficção ou documentário. São 75 minutos que "discutem a diferença entre homens e mulheres com pequenas histórias", explica o diretor

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Por Agencia Estado
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Nós Que aqui Estamos por Vós Esperamos, primeiro longa-metragem do cineasta Marcelo Masagão foi aclamado por público e crítica ao resumir o século 20 em preciosos 73 minutos. Pudera, Masagão ganhou fama por criar e organizar o Festival do Minuto, cuja principal característica é exercitar a síntese de histórias em vídeos de só 1 (um) minuto. Por isso, esse gosto pela forma pequena, condensada e precisa de se expressar acompanha o diretor desde seus tempos de curta-metragem. Hoje, ele define que mesmo ao dirigir um longa não constrói uma narrativa linear e extensa - diz-se um fazedor de filmes "cheios de minutinhos" - e explica seu novo trabalho, Nem Gravata nem Honra, da mesma forma. São 75 minutos que "discutem a diferença entre homens e mulheres com pequenas histórias". O filme está sendo finalizado agora, para ser lançado no segundo semestre. Seguindo a linha do longa anterior, Masagão evita classificar a nova obra simplesmente como ficção ou documentário. Nós Que aqui Estamos foi chamado de "filme memória". O conceito era correto, pois o longa lembrava acontecimentos diversos do século passado, por meio de imagens e citações de pequenas e grandes histórias, pequenos e grandes personagens - acabava contendo um pouco de documentário e um pouco de ficção e, ao mesmo tempo, não era nada disso. E agora, se questionado sobre em que gênero se encaixa Nem Gravata nem Honra, Masagão sai pela tangente: "Só vendo." Mas apesar da forma inusitada, Masagão fez realmente um documentário. Para tal, escalou dez pessoas, dividiu-as em três equipes e a cada uma deu uma câmera digital. As equipes ficaram por dez dias na cidade de Cunha, interior de SP, entrevistando uma variedade de pessoas. "Falamos do prefeito à prostituta", esclarece o diretor. Em uma das equipes, a entrevistadora foi a diretora Tata Amaral (Através da Janela) - os outros foram Luiz Duva, Tatiana Louman e Jurandir Muller, além do próprio Masagão. Tendência - Esse formato não é totalmente original: Eduardo Coutinho usou o mesmo método no seu último filme, Babilônia 2000, quando documentou as reflexões sobre o novo século de diversos moradores do Morro da Babilônia, no Rio, também apoiado em cinco equipes, ao longo do último dia de 1999. Masagão fez as imagens de seu longa em setembro do mesmo ano. Com a proximidade das datas de ambas produções é besteira acusar alguém de plagiário. Mas é possível encontrar aí uma tendência. "É um pouco a lição do Coutinho", fala Masagão, cuja técnica crua de entrevista, estilo bate-papo, é abertamente inspirada no método do diretor de Cabra Marcado para Morrer. "Adoro o trabalho dele, mas o que diferencia basicamente o que fazemos é que sou um neurótico obsessivo e ele é um neurótico zen", brinca Masagão. E desenvolve: "Defino o fazer documentário como o encontro de um neurótico com outro, intermediado por uma câmera." É essa definição que abre Nem Gravata nem Honra. A partir desse encontro de neuróticos explicado na primeira cena, o diretor busca analisar a problemática social que há mais tempo a humanidade discute. "A minha tese é que as definições clássicas do feminino-romance e do masculino-ação são polaridades presentes a todo momento em todo ser vivente, apesar de se manifestarem de forma singular." Para resolver essa neurose particular, Masagão tomou uma amostragem qualquer: uma calma cidade com pouco mais de 25 mil habitantes, para onde costumava levar a família para relaxar. Dentro desse universo, Masagão encontrou uma vastidão de histórias e personagens riquíssimos (53 aparecem no vídeo), que tanto acentuam a polaridade central do filme como a desestruturam por completo. "Foi uma surpresa ver que a formação que o patriarcado dá para as pessoas, mesmo sob esse regime patriarcal, pode se inverter" teoriza Masagão. Dentro dessa constatação, é impressionante ver a força transmitida pelas personagens femininas do filme. Se o método tem inspiração em Coutinho, o diretor se declara influenciado também pelos russos Eisenstein e Diziga Vertov e os americanos Godfrey Reggio e Woody Allen - para Masagão, costureiros de histórias e imagens centradas em uma idéia ou em um objetivo -, além de mencionar com carinho o cinema oriental, no qual enxerga uma transformação de fragilidade em fortaleza que sente falta no cinema nacional. Em Nem Gravata nem Honra há cenas específicas, como uma perseguição de um boi para ser castrado com a narração de uma receita para impotência masculina, inspirada em Cronicamente Inviável, de Sérgio Bianchi, e um balé de cadeiras no cinema da cidade, que lembra O Homem com a Câmera, filme de 1929 de Vertov. Para fragmentar sua tese, o diretor usou um processo de edição e encadeamento de imagens e conceitos muito parecido com a forma que usara em Nós Que aqui Estamos. "Foi tudo feito num computador caseiro, numa edição com bastante recursos gráficos. O filme é construído em miniblocos temáticos. Tenho muita dificuldade em contar uma história que dure mais que 2 ou 3 minutos, então acabo construindo uma colcha de retalhos, pequenos atomozinhos que vão se ligando por intermédio de um fio de meada central", conta Masagão. Ele não se afobou para idealizar esse formato: preservou por um ano as imagens e depoimentos recolhidos para maturar o filme. O trabalho de montagem sobre 70 horas de material bruto, que é efetuado pelo próprio diretor (Masagão também assina o roteiro e a produção), está ocorrendo há três meses e deve ser terminado em março.

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