"Más Companhias": um filme sobre jovens

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Por Agencia Estado
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Num mercado cada vez mais formatado para o produto americano, há muito não se via o que ocorre nesta sexta-feira - o lançamento de dois filmes franceses e dos bons. Jean-Pierre Améris é o diretor de Más Companhias. Ele esteve na cidade quando o filme foi exibido na 2.ª Semana de Cinema Brasil & Independentes. Más Companhias é uma das estréias que devem estar na mira do público. A outra é Instituto de Beleza Vênus, de Tonie Marshall. Améris falou de Paris, pelo telefone, com a reportagem. Adorou conhecer o Brasil, participar da semana e confessa-se emocionado ao saber que seu terceiro filme é o primeiro a chegar às salas do Brasil. "Estou conseguindo falar para o mundo e isso é muito gratificante, saber que aí em São Paulo as pessoas vão conhecer e discutir o meu trabalho." O de Tonie é o quarto da carreira dela e também o primeiro a estrear no País. "Essa espécie de intercâmbio é muito importante", diz Améris. "Não sou contra o produto americano, mas acho que se trata de um empobrecimento cultural quando a gente termina vendo sempre a mesma coisa; eu, por exemplo, lamento que os filmes brasileiros cheguem cada vez menos à França." Más Companhias é um filme sobre jovens. Começa à americana, como um filme de gênero - uma garota na escola, os pequenos problemas na aula, os amigos, o despertar do sexo. Lá pelo meio a história toma outro rumo e fica bastante pesada. A protagonista e sua amiga são cooptadas pelos namorados para fazer sexo oral com todos os rapazes da escola, que vão pagar por isso, de forma a que o quarteto consiga juntar dinheiro para uma viagem. Améris conta que a história é real. "Baseei-me num fato da crônica policial ocorrido há alguns anos, na França." É o tipo do material que ele gosta de tratar. Seu primeiro filme, Les Aveux de l´Innocent, de 1996, premiado em Cannes, na Semana da Crítica, também se baseia num fato real. É a história de um garoto que confessa um crime que não cometeu e vai para um instituto correcional. Para explicar sua preferência por personagens jovens que se marginalizam e colocam fora da lei, Améris cita o que chama de "gosto pessoal". Diz que é uma questão de temperamento. Foi um jovem tímido, mas tinha sempre um vulcão prestes a entrar em erupção dentro dele. É como vê a Delphine de Más Companhias. É por meio dela que o espectador penetra na escola, na família e termina descobrindo um mundo progressivamente degradado. "Delphine é tímida, mas é violenta", diz Améris. E ele acrescenta que, pela própria experiência, pode dizer que a juventude é a fase da vida em que a pessoa mais sonha com o absoluto. "Delphine sonha com o absoluto no amor; por amor faz tudo; seu namorado, Laurent, sonha com o absoluto do mal; Olivia vive sua experiência do absoluto na amizade." Mas Améris tem certeza de que não fez um filme maniqueísta, estruturado numa polarização do conflito entre o bem e o mal. "Laurent sofre com a rejeição do amigo, que o leva a ter consciência da própria maldade e isso o torna humano", explica o diretor. Ele acrescenta que é um filme sobre a amizade, numa fase da vida em que se relacionar com os amigos é mais importante do que a família. Sua idéia do filme é que o rito de passagem equivale a uma travessia. Delphine vai ao fundo para realizar seu rito de passagem. Améris diz que consegue entendê-la, mas quando era jovem agia mais como o amigo cinéfilo da heroína. "Eu também vivia no mundo de sonho do cinema, Delphine quer agarrar a vida com as mãos, num verdadeiro corpo a corpo, que parece mais surpreendente porque no início nada sugere que ela vá ser assim." O amigo emociona-se no cinema assistindo a Casque d´Or, o clássico de Jean Becker com Serge Reggiani e Simone Signoret, exibido no Brasil como Amores de Apache. Améris explica a escolha: "Não é apenas um dos meus filmes preferidos como é também a história de um amor de transgressão, que coloca o tema da criminalidade e o que se poderia definir como uma certa poesia da sordidez." Améris conta que Más Companhias foi seu primeiro grande sucesso de público na França. "Levou legiões de jovens aos cinemas", conta. Os jovens identificaram-se muito com a abordagem de seus problemas na tela. "Até por uma questão biológica, de metabolismo, o jovem é rebelde; por mais que os pais de hoje queiram estabelecer o diálogo com seus filhos, ele é difícil; precisava dar meu testemunho sobre isso." Havia um componente de risco no projeto, mas Améris resolveu encará-lo e acha que acertou. Acertou mesmo, mas o filme não seria a mesma coisa sem o quarteto de atores jovens. "Maud Forget, Lou Doillon, Robinson Stévenin e Maxime Mansion foram todos ótimos; atiraram-se aos papéis sem medir as conseqüências." Às vezes o diretor ficava assustado de vê-los tão integrados aos personagens. "Stévenin, que faz Laurent, já tinha alguma experiência, mas Maud nunca tinha feito nada em teatro ou cinema." Ela chegou ao set com o jeito tímido que o diretor imaginava para Delphine e aos poucos revelou um temperamento forte. "Foi uma bela surpresa", ele resume. Seus mestres na realização desse filme foram dois. François Truffaut foi um, "porque eu o amo e acho que ninguém falou tão bem sobre a infância carente no cinema". Mas Améris reconhece que a referência mais forte foi Maurice Pialat, com seu cinema que se constrói na epiderme dos personagens, por meio de embates físicos violentos. "Há nele uma urgência e uma veracidade que espero ter colocado em Más Companhias." Más Companhias (Mauvaises Fréquentations). Drama. Direção de Jean-Pierre Améris. Fr/99. Duração: 98 minutos. Cine Lumire 1, Espaço Unibanco 1, às 14h10, 16 horas, 18 horas, 20 horas e 22 horas. 16 anos.

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