Marvel vs. Scorsese e Coppola: estúdio esbarra com inimigos de peso em seu caminho

No centro da polêmica que movimentou Hollywood nas últimas semanas, fica a seguinte questão: será que o cinema é feito só de bilheteria?

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Por Jake Coyle/ Associated Press
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'Vingadores - Ultimato' foi um grande sucesso comercial, se tornando, neste ano,a maior bilheteria do cinema, posto que era ocupado pelo 'Avatar' de James Cameron Foto: Disney/ Marvel/ Divulgação

NOVA YORK - Não é exatamente novidade o fato de alguns dos maiores cineastas do mundo protestarem contra o boom de filmes de super-heróis e o enorme lugar que vêm ocupando na nossa cultura cinematográfica. Mas comentários recentes feitos por Martin Scorsese e Francis Ford Coppola foram recebidos como uma bravata antes de uma luta de boxe.

“Num canto o campeão mundial das bilheterias, os estúdios Marvel, o‘incrível estúdios Hulk’, e do outro lado o realizador de 76 anos de épicos católicos e clássicos policiais”, Martin ‘Touro Selvagem Scorsese!”. Houve muito alvoroço depois que Scorsese, em uma entrevista a uma revista no início do mês, insinuou que os filmes da Marvel não são cinema, mas “algo diferente”: atrações de parques temáticos desinteressadas em “transmitir emoções que motivam psicologicamente outro ser humano”.

Coppola também se expressou a respeito no fim da semana, ao afirmar à imprensa na França, quando recebeu o Prix Lumière, que Scorsese não só tinha razão, mas não foi longe o suficiente. Os filmes da Marvel são “desprezíveis”, afirmou. “Ele tem razão, pois esperamos aprender algo com o cinema, esperamos ganhar algo. Um pouco de iluminação, adquirir algum conhecimento”, afirmou Coppola.

Os inúmeros fãs dos filmes da Marvel, como cavaleiros do século 19, ficaram ofendidos e levaram sua causa para as redes sociais como se tivessem sido desafiados para um duelo. Foram apoiados por alguns dos realizadores de filmes da Marvel, como James Gunn, diretor de Guardiães da Galáxia, Joss Whedon, que dirigiu Os Vingadores e Taika Waititi, diretor de Thor:Ragnarok.  Waititi ironicamente sublinhou que seu filme “está nos cinemas”.

 E não seria um tumulto real se Ken Loach não se envolvesse também. O cineasta britânico de 83 anos se uniu ao debate ao afirmar à Sky News que os filmes da Marvel “são um exercício cínico” e produtos básicos como os hambúrgueres. Muitos se perguntam o que diriam as grandes lendas do cinema que já morreram. O que Hitchcock diria de Homem Aranha de Volta à CasaJohn Ford acharia que Vingadores, Ultimato, é longo demais?”.

Na esquerda, Francis Ford Coppola e na direta, Martin Scorsese. Os diretores iniciaram uma grande polêmica após criticarem abertamente os filmes da gigante Marvel Foto: AP

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Apesar dessa recente discussão midiática, a aprovação ou desaprovação dos filmes do estúdio já dura uma década. Por mais que os seguidores fervorosos da companhia de histórias em quadrinhos queiram acreditar o que é o contrário, nem todo mundo é fã dela. O modo como são produzidos os filmes, como uma linha de montagem, na verdade é uma nova evolução no tipo de controle dos estúdios que sempre desempenharam um papel importante nas produções de Hollywood. Sabe-se muito bem que os diretores com frequência são convidados para um filme da Marvel com a promessa de que o estúdio se encarregará das grandes cenas de ação, eles têm apenas de produzir o resto.

A visão global planejada pelo diretor criativo dos estúdios Marvel, Kevin Feige, teve um sucesso incomum. Mas nem os 20 milhões de ingressos vendidos podem competir na realidade com O Poderoso Chefão ou Taxi Driver. Embora alguns queiram decidir o debate apresentando o montante arrecadado nas bilheterias, existem outras medidas métricas mais significativas.

Há seis anos Steven Spielberg previu a implosão de Hollywood devido à profusão de filmes de enormes orçamentos. Spielberg, cujo filme Tubarão contribuiu para o nascimento do cinema moderno dos blockbusters, também sublinhou que a cultura cinematográfica inevitavelmente se move em ciclos. “Chegará um momento em que os filmes de super-heróis seguirão o caminho dos filmes de faroeste”, disse ele à AP.

Christopher Nolan, cujo filme Batman: O cavaleiro das Trevas é considerado o maior triunfo do gênero, disse que já não está mais interessado em filmes de franquias devido à maneira como hoje são produzidos. “O panorama cinematográfico mudou desde que comecei a realizar os filmes de Batman. Quando estávamos produzindo a trilogia acho que era mais fácil para um cineasta na minha posição expressar uma visão mais pessoal do que quando se trata de uma franquia”.

Os fervorosos simpatizantes da Marvel dirão que grande parte da atração dos filmes do estúdio é que todos se sentem parte de uma mesma peça. São todos tão similares que Gwyneth Paltrow nem sequer consegue lembrar em quais ela apareceu.

Não significa que a expressão pessoal não se destaque num filme da Marvel. Como ocorre com qualquer outro gênero de filme, os cineastas podem criar algo individual. Seria difícil subestimar a anarquia cósmica em Os Guardiães da Galáxia, de Gunn, as inúmeras indicações ao Oscar no caso de Pantera Negra, de Ryan Coogler ou a desconstrução O Homem Aranha – Um Novo Universo.

Ken Loach também deu opinião negativa sobre os filmes produzidos pelo estúdio Foto: Stephane Mahe/ Reuters

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Mas – e este é o ponto principal evocado por Scorsese e Coppola – há muito mais do que isso. O universo cinematográfico real é muito mais vasto do que o “universo cinematográfico Marvel”. E eles gostariam que o foco na Marvel fosse desviado para outros lugares.

“Há uma geração que pensa que cinema é bilheteria”, afirmou Scorsese à AP, em junho na estreia do documentário Rolling Thunder Revue: A Bob Dylan Story. O que mais o incomoda, disse, é ver inúmeros cinemas projetando em suas 11 ou 12 salas uma única película (como Vingadores Ultimato).

“Temos de lutar contra essa prática de lotar o mercado com um blockbuster. O filme regular, que é deslocado, tem de ir para algum lugar. É preciso. Sabe a razão? Porque vai ter gente que irá assisti-lo”.

A preocupação com a morte do “filme regular” é justificada. Nove dos 10 filmes de maior bilheteria este ano foram continuações e remakes de quadrinhos (a única exceção foi Us, de Jordan Peele) e este tem sido o caso há anos. A Netflix e outros serviços de streaming estão, no momento, financiando uma grande porcentagem de filmes originais de grande orçamento no setor, incluindo um novo trabalho de Scorsese, O Irlandês(Tradução de Terezinha Martino)

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