Marieta Severo revê os desafios da arte e da convivência

De cabeleira branca, atriz vive uma guerrilheira no filme ‘Aos Nossos Filhos’ e avisa que ‘sempre dá pra ir adiante’

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Nas entrevistas promovendo o lançamento de A Suspeita, que lhe valeu o Kikito de melhor atriz no Festival de Gramado do ano passado, Glória Pires exibiu, toda feliz, a cabeleira grisalha. Estava se sentindo muito bem, mas admitiu que havia enfrentado resistência em casa. Marieta Severo é outra que está com a cabeleira toda branca. “É uma conquista, estou assumindo a idade, os meus cabelos brancos. O feminismo também é isso”, reflete. 

Marieta Severo está nofilme 'Aos Nossos Filhos' Foto: Daniel Teixeira/ Estadão

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Marieta, de 75 anos, conversa com a reportagem do Estadão no Reserva Cultural, durante a sessão para convidados de Aos Nossos Filhos, o longa de Maria de Medeiros baseado na peça de Laura Castro e que está em cartaz. O repórter observa – cabelos brancos, mas muito bem cuidados. Não dá trabalho? “Isso é observação de homem. Claro que cuido, mas não tem comparação com a pintura a cada 15 dias. Qualquer mulher vai entender que se trata de uma libertação.” 

Marieta e Maria

Em 2013, quando convidada para fazer a peça, Marieta estava com a agenda lotada. Teve de declinar. Maria de Medeiros assumiu o papel. Na TV, Marieta fez a minissérie Verdades Secretas. Quando houve a sequência, de novo teve de declinar. Indicou Maria para o papel. “Tenho-a seguido, ando na cola dela”, brinca a atriz portuguesa, que desde os 18 anos vive em Paris. Maria, que também é diretora, começou a vislumbrar um filme da peça. No palco, eram duas atrizes, apenas. O filme ganhou mais gente. “Figuras apenas citadas no diálogo agora estão na tela. E a cidade – queria muito filmar o Rio, como eu o vejo.” E Maria acrescenta: “Ao mesmo tempo, pude devolver o papel para Marieta. Dessa vez ela aceitou, e foi uma felicidade para todos nós.” 

Cena de'Aos Nossos Filhos', de Maria de Medeiros Foto: Zuppa Filmes

Vera é uma ex-guerrilheira. Foi torturada durante a ditadura militar. Uma mulher progressista, mas que, em certas questões, pode muito bem ser conservadora, até reacionária. “A contradição torna a personagem mais real”, Marieta diz. Vera dirige uma ONG que cuida de crianças soropositivas. A questão da adoção é premente. Tânia, a filha de Vera, é casada com outra mulher. Quer ter um filho, mas não pensa em adoção. Tentam a inseminação artificial, que está sendo complicada. 

Machismo enraizado

Mãe e filha se desentendem, Tânia e a parceira também brigam. O que vai ser dessa gente toda? “Pertenço a uma geração que lutou para mudar a condição da mulher na sociedade. Avançamos muito, mas o machismo ainda está enraizado na cabeça de vários homens. Olha os feminicídios, que não param de ocorrer”, alerta Marieta. Em seguida, lembra: “Minha mãe era uma mulher inteligente, culta, poderia ter tido uma carreira, mas se casou e passou a viver para a família. Lembro do meu pai – ‘Lígia, eu estou falando’. E ela se calava”. Você também se calava? “Eu não, sempre fui a rebelde. Minha filha Sílvia diz que hoje a geração dela está se beneficiando das lutas da minha geração.” 

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Matriarca

Marieta interrompe a entrevista duas ou três vezes para trocar mensagens com o neto. É uma matriarca nata – a Nenê de A Grande Família tinha muito dela. “Gosto de estar cercada pela família. É sempre uma força.” No começo da pandemia, ela foi com parte dessa família para uma casa na serra. “Não sabia, mas estava dando adeus a uma fase da minha vida.” Marieta tem há muito tempo uma relação com o ator e diretor de teatro Aderbal Freire-Filho. Sempre viveram em casas separadas, mas Aderbal teve um AVC e Marieta o acolheu, montando uma estrutura para atendê-lo em casa. 

Marieta está de volta ao teatro, às telas. Cofundadora, com Andréa Beltrão, do Teatro Poeira, em Botafogo, no Rio, as duas comemoraram em janeiro os 15 anos da casa com dois anos de atraso – por causa da pandemia – com uma exposição interativa. “Bia Lessa fez um trabalho belíssimo”, conta. O Poeira tem lotado com a peça de reabertura, O Espectador, baseada na obra do romeno Matei Visniec e interpretada por quatro mulheres poderosas. Além de Marieta e Andréa, também Renata Sorrah e Ana Baird. Novela à vista? “Há alguma coisa a caminho, mas a Globo é que vai anunciar.” O contrato está terminando, mas ela tem uma relação amistosa com a emissora: “Nunca fiz nada que não quisesse”. 

O público ainda se lembra da Noca de Um Lugar ao Sol. Na novela de Lícia Manso, Marieta enfrentava o preconceito contra a idade, a falta de oportunidade. Tinha uma frase sábia: “Sempre dá para ir adiante, mesmo quando parece que não”. Uma lição de vida. 

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