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"Marie-Jo" tem romance não alienado

Robert Guédiguian, que movimentou o circuito de cinemas de arte de SP no início do ano com seu A Cidade Está Tranqüila, estréia filme sobre uma mulher casada que balança diante de uma paixão, mas o romance tem cor política

Por Agencia Estado
Atualização:

Robert Guédiguian fez um dos filmes de maior sucesso este ano no circuito de arte de São Paulo. A Cidade Está Tranqüila virou marco de um cinema crítico e antiglobalização. Não por acaso, o próprio autor esteve no Brasil, em fevereiro, para participar, em Porto Alegre, do Fórum Social Mundial contra o novo mundo globalizado - e intitulado, por isso mesmo, Um Outro Mundo É Possível. Guédiguian tem agora novo filme - e, desta vez, um filme que é romântico sem deixar de ser político. Marie-Jo e Seus Dois Amores estréia amanhã na cidade. No início da semana, antecipando-se ao lançamento, a atriz Ariane Ascaride, que faz Marie-Jo, esteve na cidade para mostrar o filme aos paulistas. O próprio Guédiguian conversou pelo telefone, de Paris, com a reportagem. Quer saber detalhes sobre a posse de Lula. "Nós, na França, estamos muito excitados com a idéia de que um país como Brasil terá um presidente de esquerda." Ao contrário do que pode sugerir o título, a cidade filmada por Guédiguian no seu filme anterior não estava nada tranqüila. Havia um mundo em convulsão "lá bas", como ele diz, referindo-se a Marselha. É, de novo, o cenário de Marie-Jo, "o meu filme romântico", como define o diretor. Só que o seu romantismo não é alienado. Seus personagens continuam encravados na realidade política e social. Ariane é Marie-Jo e do elenco participam atores que já estavam no outro filme, como Jean-Pierre Darroussin e Gérard Meylan. Filho de operários, Guédiguian conta que, aos 17 anos lia O Capital, de Karl Marx, durante o dia, mas, à noite, seu livro de cabeceira era o Werther, de Goethe, com sua alma dilaceradamente (e despudoradamente) romântica. O diretor continua convencido de que a política e o amor são essenciais na vida das pessoas: "A política é um ato coletivo, o amor é uma opção individual, mas eu sempre achei que ambos podem ser igualmente revolucionários". Conta o que o levou a contar a história de Marie-Jo, essa mulher dividida entre o marido e o amante. "Acho que é uma das grandes tragédias, a maior das pessoas: só podemos viver uma vida; gostaríamos, com certeza, de viver muitas vidas, de poder acumular muitos amores e não ter de viver um de cada vez, como ensina a nossa cultura." Marie-Jo não procura um amante. É casada, ama o marido, mas ocorre de ela conhecer esse outro homem e de sentir-se atraída por ele. É um choque para o marido e, mais ainda, para a filha, também casada, que não entende o comportamento da mãe e até se ofende com ele. O desfecho do caso vem por meio da morte, o desfecho de A Cidade Está Tranqüila também era uma questão de morte. Guédiguian acha que é essa a solução dos conflitos? Ele ri, diz que não, mas confessa que é uma coisa tranqüilizadora saber que, por maiores que sejam os problemas, as dores, tudo se resolve na morte. "É o fim", ele diz. "A nossa consciência extrema de sermos finitos." Pela própria natureza romântica do filme, imaginou uma morte mitificada, como a das óperas, com câmera lenta, música e tudo o mais. Isso causou estranhamento quando o filme passou no Festival de Cannes, participando da mostra competitiva, em maio. Ele admite que, em Cannes, o desfecho de Marie-Jo pegou as pessoas de surpresa. Quando o filme estreou na França, a crítica e o próprio público já estavam preparados e Marie-Jo ganhou muitos elogios. É a obra de um romântico que, como François Truffaut, não acredita no romantismo. Acha isso natural: "Hoje em dia não temos mais o sentimento de Werther; somos mais críticos", diz. Gosta de Truffaut e mais ainda de um filme como A Mulher do Lado, com seus amantes que morrem no final. A Mulher do Lado pode ter sido uma influência para ele? "Meu cinema não é de referência; abomino esses filmes de cinéfilos, mas eu sou o resultado de tudo aquilo que me formou, de Marx a Goethe. Truffaut foi uma fonte da minha formação; nesse sentido, não acho improvável dizer que essa influência estivesse lá no fundo, entre camadas de outras influências que me formaram." Identidade de geração - Tinha 14 anos em Maio de 68. Já sonhava com um mundo melhor. Participou, como um garoto de sua idade poderia participar, daqueles eventos. Conta que entre seus atores e ele há uma identidade geracional. "Todos temos aproximadamente a mesma idade, compartilhamos as mesmas convicções estéticas e políticas." Não é nem um pouco difícil arrancar dele a autodefinição de "homem de esquerda". Vibrou com o Fórum Social Mundial de Porto Alegre. "Reunir inteligências de todo o mundo para discutir a globalização foi algo notável; o clima na cidade estimula a convicção de que, sim um outro mundo é possível." Espera que Lula, como presidente de esquerda, faça avançar essa crença num mundo melhor. Mas acredita que qualquer esforço, neste sentido, vai depender da mobilização da sociedade civil. Em Cannes, em maio, também participava da competição o novo filme de Mike Leigh, All or Nothing, que passou no Festival do Rio BR 2002 e, depois, na Mostra BR de Cinema - Mostra Internacional de Cinema em São Paulo como Agora ou Nunca. O repórter observa que a impressão, assistindo aos dois filmes, é que não apenas os diretores comungam as mesmas idéias em relação aos problemas sociais como compartilham o mesmo método. Leigh cria o roteiro e define os personagens com os atores, num processo que inclui muita improvisação. "Eu sei, parece que os nossos métodos são os mesmos, mas essa impressão é falsa", diz Guédiguian. Seus filmes são completamente escritos por ele e os atores respeitam, tanto quanto possível, as falas criadas pelo diretor. Mas ele admite: "Trabalhamos há tanto tempo juntos, nos freqüentamos tanto fora do período de trabalho que há uma identificação profunda. Eu sei o que eles podem fazer, como podem fazer e eles sabem o que eu quero e contribuem, até com sugestões, para que isso ocorra". Acrescenta que, embora vivam em trupe, como no teatro, o que lhes interessa é o cinema. "Não fazemos teatro; somos uma equipe de cinema." É outra diferença em relação a Mike Leigh, que faz incursões pelo teatro com seus atores-fetiches. Por isso concorda: o método é diferente, mas o resultado é mesmo parecido. Em tempo: Guédiguian também gosta de Mike Leigh. Marie-Jo e Seus Dois Amores (Marie-Jo et Ses 2 Amours). Drama. Direção de Robert Guédiguian. Fr/2002. Duração: 124 minutos. Cineclube Directv 1, às 14 horas, 16h30, 19 horas e 21h30 (quinta não haverá a última sessão). Espaço Unibanco 1, às 14h30, 16 horas, 19 horas e 21h30. Jardim Sul UCI 2, às 14 horas 16h30, 19 horas e 21h30 (sexta e sábado também 0h). Sala UOL, às 14h40, 17 horas, 19h20 e 21h40. 14 anos.

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