Maria de Medeiros: "até Salazar foi brando na revolução"

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Por Agencia Estado
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O Olhar Feminino no Cinema, tema do debate que a 24ª Mostra Internacional promove hoje, no Espaço Unibanco, reunirá na mesma mesa as diretoras Laís Bodanski (do brasileiro Bicho de 7 Cabeças), Anne Villacèque (do francês Queridinha) e a atriz portuguesa Maria de Medeiros, que estréia na direção com o belíssimo Capitães de Abril - que está entre os finalistas para a escolha de melhor filme do júri. E entre as três convidadas, talvez quem possa melhor debater sobre o assunto seja Medeiros. O motivo é simples: o tema de seu filme, o levante militar que em 25 de abril de 1975 derrubou a ditadura salazarista em Portugal, é provavelmente o assunto mais masculino entre os três. (Queridinha é um romance que conta a eterna história da mulher em busca do amor de sua vida; e Bicho... faz uma crítica do sistema manicomial brasileiro a partir de um jovem que é internado pelo pai.) "Mas foi muito bom realizar essa história, pois ao mesmo tempo que há toda essa energia, é também cheia de candura", diz Maria de Medeiros, em entrevista à Agência Estado. Por causa dessa ternura a qual se refere, acabou sendo injustamente criticada por parte da população e imprensa portuguesa. "Fiz uma pesquisa por 13 anos sobre a revolução, e além de ter sido pacífica, pouca gente conhecia os fatos engraçados que aconteceram. Também descobri relatos muito cinematográficos, então resolvi filmá-los", completa. Entre esses relatos, Medeiros lembra alguns: um tanque do Movimento das Forças Armadas que enguiçou ao caminho da Pide (a polícia política de Salazar); outro que parou no semáforo vermelho, nas ruas de Lisboa; os capitães que tentaram tomar a estação de rádio e o porteiro, com a porta entreaberta, disse "vou ver se o locutor está"; um dos soldados que deixou armas e munição no interior de um carro e o trancou com a chave dentro; que acabou por ser socorrido por um policial para abrir o carro, etc. "Foi uma revolução tão gentil, que até Caetano, ao ser desposto, cumprimentou o general Spínola, disse obrigado e desejou boa sorte", brinca Medeiros. Até cabia uma piada de português, se a própria diretora não reconhecesse a precariedade política do movimento. A única adição fictícia fruto da imaginação de Medeiros, embora quase toda Portugal não reconheça, é a trama paralela, que envolve um dos capitães e sua mulher, "mas que pode ter acontecido, afinal muitos daqueles jovens eram casados", acrescenta. Por isso, o referencial de Maria de Medeiros pode ser a visão mais feminina entre as três. Pela graça e sisudez simultâneas de seu objeto de trabalho, pelo fato de ter sido mãe ao mesmo tempo que obtinha os primeiros financiamentos para seu filme, e outros diversos os fatores. A sua geração, por exemplo, foi muito marcada pela Revolução, pois eram crianças cujos pais eram atingidos de algum modo pela onda de felicidade. Esse sentimento ela também buscou transmitir na figura de uma criança, filha de um dos capitães. "Eu estava na Áustria na época, meu pai estudava música e tinha se auto-exilado. Ao sabermos da notícia voltamos de imediato para Portugal, e lembro da comoção de toda gente. Essa emoção fortificou muito minha geração e tentei repassar isso a todos". Projetos - Maria de Medeiros, que já chegou a trabalhar com diretores tão renomados e díspares, como Manuel de Oliveira em A Divina Comédia e Quentim Tarantino em Pulp Fiction, já tem novos planos para atuar, nada definido para dirigir. Desde Capitães de Abril, Medeiros já esteve como atriz em três produções diferentes, todas neste ano. O francês Deuxième Vie, de Patrick Braoudé, o italiano Honolulu Baby, de Maurizio Nichetti, e outro francês, L´Homme des Foules de John Lvoff, todos como protagonista. Para a conterrânea Teresa Villaverde (Os Três Irmãos, 1994), fez uma coadjuvante em Água e Sal, ainda não lançado, onde também há uma ponta de Chico Buarque. Antes de dirigir seu próprio filme, Maria de Medeiros também havia gravado uma participação no filme O Xangô de Baker Street, de Miguel Faria Jr., que deve estrear por aqui ano que vem. "Quanto a dirigir outro filme, aidna não refleti direito. Minha vida com Capitães de Abril foi muito intensa, resolvi ser mãe numa época muito próxima à produção, em um filme em que além da direção também fui atriz. Tudo isso me consumiu bastante, e agora espero poder descansar até abraçar outra produção", explica Maria de Medeiros.

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