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Maria Augusta Ramos lança 'Futuro Junho' e filma o impeachment

Longa investiga dias que antecedem a Copa de 2014

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Maria Augusta Ramos estava até ontem em São Paulo, onde, na quinta-feira, 30, participou de um debate com Ismail Xavier sobre seu longa Futuro Junho, na Sala Olido, que integra o circuito Spcine. Neste domingo, 3, Maria Augusta segue, ou melhor, volta para Brasília. Natural do Distrito Federal, ela é uma cidadã do mundo, com passagens pelo Rio, pela Holanda (onde residiu). Está em Brasília fazendo um filme sobre o processo de impeachment. A decisão foi tomada às pressas - “Estava muito angustiada com esse clima de caos que já havia, de forma mais controlada, no Futuro Junho, e hoje virou essa loucura”, reflete. E, por favor, não lhe perguntem se, a partir de suas observações, ela acha que a presidente Dilma Rousseff volta ou não. 

“Tenho uma opinião sobre tudo isso e o filme, como todos que fiz, vai expressar minha visão, mas tento manter certo distanciamento porque não me interessa construir uma histórias de mocinho e bandidos. A realidade é sempre muito mais complexa, e é disso que tento dar conta.” O filme do impeachment ainda não tem título e Maria Augusta trabalha com recursos próprios. “Foi tudo tão rápido que não dava para buscar edital, essas coisas. Estou tentando construir uma parceria com a TV holandesa, mas, enquanto isso, faço como posso.” O filme começou a nascer quando ela acompanhou a votação da Câmara. “O que foi aquilo? Um caos. Tenho filmado no Senado, mas, como sempre, é aquela coisa sem roteiro. Estou acompanhando o rito, filmando os senadores que se posicionam a favor e contra. Para dizer a verdade, ainda estou buscando meus personagens. Está sendo um processo muito intenso.”

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Ela lançou Futuro Junho no Festival do Rio, no ano passado, e depois apresentou o filme na Mostra, em São Paulo, e em Tiradentes, no começo do ano. Conta que gostou de rever o filme no debate de quinta-feira. “Tem muita coisa em Futuro Junho que antecipa o que estou vendo ao filmar o processo do Senado. Já no filme anterior, o que eu queria captar era a essência do período, e acho que consegui. Depende muito dos personagens, mas, de qualquer maneira, é sempre um recorte. Coloco na tela o que vivencio. É um recorte subjetivo, meu. Não tenho a pretensão de dizer que estou sendo objetiva. Não faço jornalismo nos meus filmes.”

Futuro Junho baseia-se num jargão do mercado financeiro, quando analistas econômicos fazem suas projeções para os próximos meses. O junho em questão é o de 2014, quando ocorriam manifestações contra a Copa do Mundo nas principais capitais brasileiras. Maria Augusta filmou os manifestantes em São Paulo. Escolheu quatro personagens. Houve quem a criticasse por isso, achando a amostragem, do ponto de vista estatístico, insuficiente. Ela insiste que, assim como não faz jornalismo, não quis fazer um estudo sociológico. Diz-se muito feliz com seus personagens. Elogia a entrega de todos eles. Nenhum deles pertence ao mundo do grande capital. Não existe nenhum banqueiro, empresário. A crise é desenhada do ângulo do trabalhador - do assalariado. Vamos, portanto, por partes. Futuro Junho abre-se com uma tomada da cidade. Daí salta para o metrô, a Avenida Paulista. “Para falar sobre a cidade, preciso falar sobre as pessoas. Escolho as que me interessam.”

São um sindicalista, um motoboy, um operário e um agente do mercado financeiro. Maria Augusta os segue com sua câmera sem entrevistar nem recorrendo à narração em off. Alex Fernandes trabalhou na organização da greve dos metroviários e, como tal, sabe bem o que é o aparelho repressivo do governo Alckmin. Paralisar o metrô era peça-chave no movimento de oposição à Copa do Mundo no País. O motoqueiro Alex Cientista não tem dinheiro para pagar ingressos - que custam mais do que ganha. Anderson dos Anjos, que trabalha numa montadora, sofre os efeitos da crise que se desenha - demissões, férias coletivas. André Perfeito, o agente financeiro, é o mais animado com a Copa - comprou ingresso para Brasil e Croácia. Mas, até por sua função, ele é o mais aparelhado para identificar, com um discurso bem articulado de economês, a crise que estourou em 2015.

Em casa, no trabalho, no lazer. Maria Augusta segue seus personagens o tempo todo. Alguns críticos reclamam - as cenas ‘íntimas’ seriam encenadas. Conversas sobre o mercado, a Copa. A diretora defende-se - “Desde meu primeiro filme sofro esse tipo de crítica. Mas não enceno nada. Coloco a câmera, e uso só uma, a uma distância razoável para incluir todos os personagens em cena. O diálogo não é escrito. Eles falam o que querem e eu gravo. Não faz sentido num filme sobre a Copa e a economia as pessoas não falarem de uma nem de outra. Eles falam, digamos, uma meia hora. Edito para cinco minutos. Isso exige certa habilidade, que quero crer que tenha. O importante, para mim, era mostrar o clima do Brasil pré-Copa de 2014. Revendo o filme, e agora filmando o debate político em Brasília, o que posso dizer é que sinto o clima mais caótico ainda. Não sei o que vai acontecer, mas estamos longe do entendimento.” Como todo filme dela, Futuro Junho traz embutida a questão da identidade nacional. “A favor ou contra, acho que vivemos um momento em que o posicionamento é necessário. Da mesma forma, para construirmos uma nação, creio que precisamos aprender a conviver em sociedade, e isso não está sendo fácil. A Copa é um gatilho em Futuro Junho. Acho importante quando o André (Perfeito) diz que a gente não acredita no Brasil. É nossa tragédia.”QUEM É  MARIA AUGUSTA RAMOS DIRETORA, DOCUMENTARISTA Nascida em 1964, formou-se em estudos musicais pela Universidade de Brasília e foi para Paris, onde cursou música eletroacústica. Viveu na Holanda e o cinema foi roubando espaço da música. Seus documentários, todos premiados, começaram focalizando o judiciário no País - Justiça, Juízo e Morro dos Prazeres. O círculo, agora, amplia-se.