'Mare Nostrum' aposta na magia que existe nas pequenas coisas da vida

Em seu novo filme, Eduardo Elias faz um cinema de muita simplicidade e tonalidade emocional controlada

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Na primeira cena de Mare Nostrum, vemos duas pessoas que falam sobre um negócio. A família de um deles está no carro, mulher e crianças. Um terreno à beira-mar está sendo vendido por um e comprado por outro. Estamos no município de Praia Grande, litoral paulista. Chove. Mas, de súbito, a chuva cessa, conforme desejo de um dos personagens.

Numa passagem de tempo, vamos acompanhar anos depois a chegada de um jornalista esportivo, Roberto (Silvio Guindane) que, ficamos sabendo, passou alguns anos na Europa, mas teve de voltar. No Brasil ele deixara um casamento falido e uma filha da qual pouco se lembrava. Outro rapaz, Mitsuo (Ricardo Oshiro) também retorna ao Brasil, ele que fora com a mulher tentar a sorte no Japão, terra do seu pai.

Filme 'Mare Nostrum' é do mesmo diretor de 'De Passagem' e 'Os 12 Trabalhos' Foto: Aline Lara/Divulgação

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Ambos, Roberto e Mitsuo, regressam com sonhos desfeitos, mas desejo de recomeçar. Têm planos, mas estão sem dinheiro. Roberto aspira a escrever um livro sobre um jogador famoso, que terminou mal sua carreira. Já tem a pesquisa feita, precisa de tempo e editor. Mitsuo não se encaixa bem na peixaria que a família tem em Santos; prefere tornar-se designer gráfico. Ambos precisam de capital. De alguma forma, aquele remoto terreno na Praia Grande, município vizinho a Santos, irá uni-los.

Temos aqui o estilo de Ricardo Elias, depurado em dois longas anteriores – De Passagem e Os 12 Trabalhos. Faz um cinema de muita simplicidade e tonalidade emocional controlada. Prefere sugerir a explicitar. Mas não reserva ao espectador zonas de sombra ou mistério.

E talvez seja esse um dos problemas mais evidentes de Mare Nostrum – a abordagem, ainda que sutil, de um certo universo mágico e que diz respeito àquele tal terreno à beira-mar. Quando a história sai do registro realista e flerta com o mágico, a trama perde um pouco de consistência. Mas, a bem da verdade, deve-se reconhecer que tudo ou quase tudo que acontece pode ser explicado por “causas naturais”. Dessa maneira não se sabe ao certo se a tal “magia” acontece de fato ou essa impressão mora apenas na cabeça dos protagonistas.

O campo em que melhor se move a história é o das pequenas dificuldades do dia a dia, e de como elas aproximam ou afastam as pessoas. É nesse mundo miúdo que o cinema de Elias se ambienta melhor. Porque as questões, em determinado momento, são financeiras. É preciso dinheiro para pagar o colégio atrasado da filha de Roberto. Dinheiro para comprar o equipamento de informática para Mitsuo. Enquanto isso não acontece, Roberto é pressionado pela ex-mulher, enquanto Mitsuo se desentende com a irmã, que toca a peixaria depois que o pai ficou paralisado por um AVC.

Há uma beleza nisso tudo e ela diz respeito a esse elemento pequeno da vida. De modo geral, as pessoas não se movem por ideais grandiosos, mas por questões de mera sobrevivência. As relações entre elas vão se tecendo, se fortalecendo ou enfraquecendo à medida que se persegue esse objetivo simples, que é o de realizar projetos ou apenas viver bem.

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Outros elementos enriquecem esse filme em aparência tão despojado. O principal, a figura do pai de Roberto, João (Ailton Graça), que aparece nas primeiras sequências, quando compra o terreno de Nakano (Edson Kameda), e depois sai de cena. Melhor, sai fisicamente de cena, pois a lembrança que deixa faz adivinhar uma figura complexa, cheia de matizes e energia vital. De modo lateral, Mare Nostrum é também um filme sobre encontros e desencontros com figuras paternas, tanto por parte de Roberto como Mitsuo. E Roberto, ele próprio, está sendo questionado em sua posição paterna, como provedor da filha. Tudo fica em família, como nos melhores dramas. Ou nas comédias dramáticas, pois, em meio aos conflitos de relacionamentos, encontra-se também espaço para o humor. Este se concentra na figura de Orestes (Carlos Meceni), corretor de imóveis enrolão e cheio de frases de efeito.

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