Márcio Reolon e Filipe Matzembacher falam sobre o filme 'Beira-Mar'

Dupla gaúcha relata o que há de pessoal, mas não autobiográfico no longa

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Márcio Reolon e Filipe Matzembacher comemoraram o namoro compartilhando a data com o público do Festival do Rio, na noite em que Beira-Mar foi premiado, no começo de outubro. A dupla gaúcha comemora agora a estreia do filme em circuito nacional. Beira-Mar estreou ontem em 25 salas do País.

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Para os jovens diretores – Márcio está com 30 anos, Filipe, com 27 –, é a concretização de um sonho. Ambos se conheceram estudando cinema. Amigos e algo mais. Falavam muito das dificuldades da adolescência. Garotos tímidos, gays. As férias de inverno numa praia do Rio Grande do Sul, Capão da Canoa. Da soma dessas histórias nasceu o filme.

“Ele é muito baseado em nossas vivências, mas não é autobiográfico de nenhum dos dois. A família dentro do filme não é a nossa. Beira-Mar é ficção”, esclarece Reolon, numa entrevista por telefone, de Porto Alegre. É o primeiro lançamento dos dois, e estão ansiosos, mais que nervosos.

Desde que Beira-Mar integrou a seleção do Fórum, no Festival de Berlim, em fevereiro, a resposta tem sido ótima. “Em Berlim, já estávamos comprometidos com o Fórum quando recebemos um convite para que o filme passasse também em outra seção, Generation. É a mostra da juventude na Berlinale e eles achavam importante que o público deles visse o Beira-Mar. Topamos, e foi uma experiência incrível. Mil jovens na plateia. Devia haver muitos gays e simpatizantes entre eles, mas seria discriminatório dizer que o filme comunica só com o público LGBT”, diz Matzembacher.

Desde o início, a ideia era fazer um filme sobre e para jovens. “Todo o processo durou quatro anos. Quando começamos, o Filipe tinha 23 anos e eu, 26”, conta Reolon. Beira-Mar nasceu sob o signo da urgência.

“A gente queria por para fora tudo o que havia vivido e sofrido. Escrevemos o roteiro em dupla, filmamos em dupla. E estabelecemos uma meta. Se a gente não conseguisse dinheiro em um ano, faria o filme de qualquer jeito. Foi o que fizemos”, resume Reolon. “Gravamos com uma Cannon 5-D de forma totalmente independente, sem orçamento e só com apoios.” O importante era não perder o frescor da juventude, frente à câmera e atrás dela.

O filme foi gravado em julho do ano passado, num inverno particularmente frio. “Andávamos bem agasalhados, mas não era fácil enfrentar o vento e o mar agitado. Numa cena, o menino entra mar adentro, naquele gelo. Mas foi gostoso”, lembra Matzembacher.

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Mares invernais dão o tom de grandes filmes do cinema italiano, desde Os Boas Vidas, de Federico Fellini, até A Primeira Noite de Tranquilidade, de Valerio Zurlini. “Ensaiamos com os meninos sete meses antes de começar a gravar”, Reolon revela. Durante esse processo, Mateus Almada e Maurício José Barcellos foram se apossando dos personagens e ajudando a reformatar os diálogos e as situações. “Uma das melhores cenas do filme nasceu inteiramente da improvisação deles, a do minigolfe. Aquelas agressões que produzem um clima de erotismo foram invenções deles.”

Na página do filme no Facebook e nas suas contas individuais, os diretores têm recebido uma resposta muito grande – e muito boa. “Não é só o público LGBT, mas é obvio que, nesse caso, as pessoas se sentem ainda mais tocadas. Temos tido relatos de garotos que dizem que se sentiram com coragem de sair do armário para as próprias famílias a partir do filme. Da Rússia, um garoto escreveu que chegou ao filme fazendo uma pesquisa na rede. Disse que lá até a palavra gay é proibida, mas se sentia confortado de ver que havia gente vivendo a mesma inquietação que ele.” Justamente, a inquietação. Ela não diz respeito somente ao sexo – à homossexualidade. Diz respeito ao cinema.

“O Fórum talvez seja a seção de Berlim que mais se ocupa das novas linguagens e tendências. É um público antenado por coisas novas e que o tirem da zona de conforto”, diz Reolon. Beira-Mar seduziu as plateias também por esse lado, e pela estrutura de produção enxuta que, no fundo, era a que mais servia para quer queríamos tratar”, diz Matzembacher.

O filme vai na contramão das comédias em voga. Difere até de outros filmes mais ou menos recentes que também tentaram abordar a juventude. Basta comparar com Meu Tio Matou Um Cara, de outro diretor gaúcho, Jorge Furtado, ou As Melhores Coisas do Mundo, de Laís Bodanzky. A pegada de Beira-Mar é mais para Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, de Daniel Ribeiro. O filme aposta no silêncio e na introspecção. As informações sobre os garotos com os pais ou entre eles são reveladas de forma lenta. São garotos comuns. Jogam videogame, e a cena é filmada de um jeito que eles, pelos movimentos, parecem estar se masturbando. Contam-se histórias que parecem que não vão adiante. “Meu pai me batia.”/ “Pô, devia ser f...”.

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Na maior parte do tempo, são coisas banais que criam tempos truncados – não mortos – ao invés de estimular um ritmo frenético. Levam à revelação da homossexualidade de um dos garotos, mas nem isso produz um grande conflito. “Queríamos que o filme dialogasse com os muito jovens e é confortante saber que isso está ocorrendo”, diz Reolon. Talvez esse ritmo, essa vivência, exijam jovens especiais – verdadeiros cinéfilos. Como os próprios diretores. Pergunte a Márcio Reolon qual seu filme preferido? “É sempre difícil escolher um só, mas nesse caso seria o Garotos de Programa, de Gus Van Sant.” E o de Filipe Matzembacher? “O meu é um filme de Bela Tarr que nem foi lançado no Brasil, mas assisti numa programação especial sobre ele, Werckmeister Harmonies.”

O repórter diz que, para ele, em, matéria de Bela Tarr, nada supera O Cavalo de Turim. “Gosto também, mas é o meu terceiro. Antes vêm o Werckmeister e o Satantango”, insiste Matzembacker. Dividido em 39 lânguidos quadros, Werckmeister é sobre tio e sobrinho numa Hungria em preto e branco, pós-2.ª Grande Guerra e invadida por um circo sombrio como parece ser a vida deles. Não parece ser o tipo de filme que vá fazer a cabeça de um jovem, mas, para Matzembacher, foi uma revelação. Com Beira-Mar, Reolon e ele visam olhar a juventude ‘de dentro’. “Daí nossa urgência. Mais um pouco e estaríamos fazendo o filme de fora, da nossa perspectiva de adultos, e não era o caso”, arremata Reolon.