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Marcante e eclético, Spielberg chega aos 60 anos

De E.T. à trilogia sobre a era Bush, estética de efeitos esculpiu reputação do diretor

Por Agencia Estado
Atualização:

Na recente lista de 400 pessoas mais ricas do mundo da revista Forbes, ele ficou muito bem colocado - e com tanto dinheiro que são poucos os que podem competir com os seus US$ 2,9 bilhões, que acumulou ao longo de 31 anos de carreira. Steven Spielberg já vinha dirigindo desde 1963, quando, aos 16 anos, realizou seu primeiro filme independente, Firelight. Cinco anos mais tarde, fez história ao se transformar no mais jovem diretor contratado por um grande estúdio de Hollywood, a Universal. Finalmente, em 1975, e aí começa a sua fase de Midas, estourou com Tubarão, seu verdadeiro marco zero, ao qual se seguiu, dois anos depois, outro megassucesso, Encontros Imediatos do Terceiro Grau. Em 1982, foi a comoção de E.T. - O Extraterrestre. Com esses três filmes, Spielberg estabeleceu uma curiosa (e dupla) reputação - a de rei da bilheteria, claro, mas também a de Peter Pan, um cineasta talentoso mas infantilizado, que se recusava a amadurecer e construía sua obra para as platéias teens, brincando com o cinema como se fosse uma criança. O menino diante do maravilhoso daquele disco voador, em Encontros Imediatos, seria o próprio Spielberg, mas ele já estava com 31 anos, na época. Exatamente nesta segunda-feira, Spielberg torna-se sexagenário. Nasceu em 18 de dezembro de 1946, em Cincinnati, Ohio, filho de pais separados - e os psicanalistas de plantão dizem que foi por isso, para se compensar de suas carências afetivas, que ele ingressou no mundo de fantasia do cinema. Aos 60 anos, ninguém mais pode ser louco de dizer que nosso Peter Pan não se fez adulto nem amadureceu - os três últimos filmes por ele realizados, O Terminal, Guerra dos Mundos e Munique, formam um bloco de notável coerência, no qual se refletem os EUA da era George W. Bush. Sem nenhuma referência explícita ao 11 de Setembro, Spielberg mostra como Bush explora a paranóia dos americanos e consolida seu poder por meio da guerra ao terrorismo. Mesmo quando existe uma justificativa ética, como dizem os ministros a Golda Meir no começo de Munique, o risco, ao combater o terrorismo a qualquer preço, é perder a alma, tornando-se exatamente igual, e até pior, do que aqueles a quem acusamos. É como se toda a obra de Spielberg convergisse para esses três filmes. Tudo o que ele fez e pensou foi uma espécie de preparativo, por mais que esta obra, aparentemente binária, já viesse se interrogando, há tempos, sobre os valores que construíram a "América". Existem, de um lado, os filmes comerciais, de grande espetáculo, como os três citados anteriormente e também os das séries Indiana Jones e Jurassic Park. E existem os filmes "autorais", inicialmente recebidos com desconfiança. Spielberg seria - uma crítica que lhe foi feita com freqüência - o mais democrático dos cineasta porque trata como exatamente iguais os clones de monstros antediluvianos (os dinossauros) e o Holocausto. Tudo, para ele, se resumiria a um parque temático, nos quais o espectador pode (e deve) esbaldar o Id. Uma certa dose de sentimentalismo sempre esteve incorporada aos seus filmes, mas também era assim com o mais clássico dos grandes autores de Hollywood, o Homero do cinema americano, John Ford, a quem o jovem Steven citou em E.T., na admirável cena em que Eliot reproduz o eletrizante beijo de John Wayne e Maureen O´Hara em Depois do Vendaval. O sentimentalismo faz-se presente, mas não compromete, A Cor Púrpura, A Lista de Schindler, Amistad, O Resgate do Soldado Ryan e agora os marcos da admirável trilogia spielbergiana. Há coerência nesses filmes disparatados, em técnica e estilo, que parecem, mas só parecem, privilegiar o efeito sobre o humano. O dedo do extraterrestre apontado para o céu (Home!), a dor de Oprah Winfrey em A Cor Púrpura, o genial discurso de Anthony Hopkins no tribunal, em Amistad, a derrota moral de Eric Bana em Munique revelam o credo humanista de Steven Spielberg. Deveríamos, nós que duvidávamos, ter prestado atenção aos signos, que já eram tão evidentes. As iniciais do extraterrestre, ET, abrem e fecham o nome do garoto Eliot, que remete ao do poeta de Waste Land, um monumento literário. A terra estéril, devastada, desperdiçada, gasta. Há muita controvérsia sobre o sentido de "wasted", mas a verdade é que todo o cinema de Spielberg se constrói sobre esse mundo ameaçado - seja pelo nazismo, o preconceito, a guerra, os alienígenas. Face ao perigo, o jovem Spielberg projetava-se na fantasia de E.T., cujo desejo de voltar para casa é o mais americanos dos temas, presente em clássicos como ...E o Vento Levou e O Mágico de Oz. No próprio cinema de Ford, há toda uma metáfora para o desejo de Hank Worden, em Rastros de Ódio, de possuir sua cadeira de balanço, um símbolo paradoxal de instabilidade dentro do repouso que ele busca. O cinema, para Spielberg, é instrumento de encantamento, de indagação, de descoberta. Para ser consumido com pipoca e refrigerante ou para ser pensado seriamente, em profundidade, ninguém marca mais do cinema das últimas três ou quatro décadas. Nas locadoras. A Cor Púrpura, A Lista de Schindler (duplo), A.I. - Inteligência Artificial, Amistad, Coleção Indiana Jones, Coleção Jurassic Park, E.T. - O Extraterrestre, Coleção 2.ª Guerra, Contatos Imediatos do Segundo Grau (edição especial), Guerra dos Mundos (duplo). Preços de R$ 24,90 a R$ 79,90

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