Maratona marca 30.º Festival de Gramado

Muitos filmes e longas homenagens marcaram início do evento, que teve como ponto alto a projeção de cenas memoráveis ao som da Orquestra do Cinema Brasileiro e do longa Querido Estranho, com Daniel Filho

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Por Agencia Estado
Atualização:

Não é um festival de cinema, é um massacre. A sessão inaugural do 30.º Festival de Gramado - Cinema Brasileiro e Latino começou com ligeiro atraso, às 19h40 da segunda-feira. Estendeu-se até quase 2 horas da madrugada. Foram dois longas em competição, um brasileiro e outro chileno, um média-metragem e três curtas. Seis horas de sessão ´matam´ qualquer um, ainda mais se os filmes não são muito bons. E ainda houve as homenagens. Diariamente e até sexta-feira, a organização do festival homenageia os vencedores destes 30 anos, como o diretor Carlos Alberto Prates Correia, de Cabaret Mineiro e Noites do Sertão, os atores Lima Duarte e José Lewgoy e a atriz Darlene Glória, vencedora do prêmio de interpretação no 1.º Festival, em 1973. Por sua memorável criação como Geni na adaptação que Arnaldo Jabor fez da peça de Nélson Rodrigues, Toda Nudez Será Castigada, Darlene é parte das emoções inesquecíveis da história do cinema do País. Ela virou evangélica, afastou-se por um bom tempo do cinema, sobrou alguma coisa daquele furacão de mulher que varria a tela ao som da música de Astor Piazzolla. A música, muito justamente. A noite de abertura teve também uma homenagem musical. O regente e compositor gaúcho Celau Moreira regeu a recém-criada Orquestra do Cinema Brasileiro, que começou tocando o Hino Nacional. Logo, a orquestra tocou músicas que integram a trilha sonora de cinco filmes. Na tela, eram projetadas as imagens e a orquestra produzia seus sons ao vivo, no palco. Nem todos os filmes eram da mesma qualidade, mas foi lindo (re)ver as poderosas imagens de Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, ao som da Bachianas Brasileiras n.º 5, de Heitor de Villa-Lobos, ou, então, Sonia Braga em Eu Te Amo, de Arnaldo Jabor, e Dona Flor e Seus Dois Maridos, de Bruno Barreto, ao som, respectivamente, de Antonio Carlos Jobim e Chico Buarque (O Que Será). O próprio Celau Moreira compôs a trilha de Netto Perde Sua Alma e as imagens do épico de Tabajara Ruas e Beto Souza puderam ser testadas mais uma vez, em toda sua força, na tela. Até o mais fraco de todos esses filmes, O Quatrilho, de Fábio Barreto, ficou bonito na seleção de cenas embaladas pela música de Caetano Veloso e Jacques Morelembaum. Nosso imaginário - Todo mundo captou a mensagem: um povo sem cinema é um povo sem identidade cultural e esse é um risco mais do que sério perigoso de correr nestes tempos de globalização. As imagens e sons do Brasil que o cinema mostra estão indelevelmente gravadas no nosso imaginário, fazem parte da nossa cultura, da nossa história, da nossa identidade. E começou o Festival de Gramado de 2002, o de n.º 30, com suas três competições de longas - brasileiros, latinos e documentários --, mais as de curtas e as várias mostras paralelas e itinerantes que percorrem a região. Não há muito o que dizer sobre o primeiro filme exibido, o média Ismael e Adalgisa, sobre a ligação do pintor Ismael Nery e da jornalista Adalgisa Nery. O filme de Malu de Martino é bem produzido e só. Seguiram-se dois curtas, Onde Andará Petrucio Felker?, de Allan Sieber, divertido mas um tanto batido para quem percorre o circuito brasileiro de festivais, e Açaí com Jabá, também divertido, de Marcos Daibes, Waleriano Duarte e Alan Rodrigues. O primeiro longa da competição integrava a mostra de cinema latino. Táxi para Três, de Orlando Lubbert, fez grande sucesso em seu país de origem, o Chile. É pena que o diretor não esteja aqui para os debates que se realizam no dia seguinte à exibição dos filmes. Há críticos que reclamam de uma certa ´sujeira´ de Táxi para Três, do que, para eles, é a falta de capricho visual e até cênico do filme. Talvez seja o que Táxi para Três tem de melhor. A história do taxista forçado a trabalhar com dupla de assaltantes - mas depois a situação se inverte e é ele quem os força ao crime, até o desfecho sangrento - põe na tela a cara do país e ela não é lisonjeira. A repressão política da era Pinochet e o experimentalismo neoliberal andaram fazendo do Chile, segundo analistas, um país modelar, com indicadores seguros de estabilidade econômica. Lubbert mostra o preço pago por isso. O Chile que ele filma é dilacerado pela chaga da exclusão social, pelo fantasma da repressão herdada da ditadura e pelo desejo de ascensão social de um lúmpen que sonha ser classe média. No segundo bloco, surgiu o melhor programa da noite: o delicado curta de Gustavo Spolidoro, Domingo. Quem acompanha o trabalho do jovem diretor gaúcho sabe que ele adora testar linguagens inovadoras. No palco do Palácio dos Festivais, Spolidoro definiu Domingo como seu filme mais simples. É preciso colocar essa simplicidade entre aspas. Domingo não possui o experimentalismo cênico de Outros, mas a história da mulher de 30 anos que escava na memória e no tempo para (re)descobrir a garota que foi aos 10 e para entender a ruptura do universo familiar, fato que a marcou profundamente, revela um olhar maduro, um verdadeiro olhar de cineasta para a complexidade dos sentimentos e dos personagens no mundo. Nacional digital - Um segundo longa da competição - e o primeiro da mostra nacional - terminou de madrugada. Com Querido Estranho, o Festival de Gramado entrou na era do digital. O filme que Ricardo Pinto e Silva adaptou da peça de Maria Adelaide Amaral, Intensa Magia, também trata de família e, em certa medida, de tempo. Foi feito digitalmente e projetado também digitalmente com tecnologia da TeleImage. Pode-se discutir a opção do diretor pelo digital, já que não é uma exigência da dramaturgia do filme, mas não a qualidade das imagens. Ela é tão boa que muita gente se perguntava, ao final, qual era a diferença da projeção em película e em digital. Discussões técnicas à parte, Querido Estranho fica na categoria do ´teatro filmado´. Suas qualidades são as do texto de Maria Adelaide - capacidade de observação, diálogos mordazes --, somadas ao elenco e aí entra a contribuição de Pinto e Silva, a sua habilidade como diretor de atores. A história do patriarca que faz aniversário no mesmo dia em que se anuncia o noivado da filha tem algo de A Partilha, com aquela lavagem de roupa suja em família. Tem o diretor de A Partilha, Daniel Filho, numa participação como ator. O filme pode não ser muito bom, mas tem gente que jura, já na primeira noite, que Daniel Filho não sai daqui sem o prêmio Kikito de melhor ator. O repórter viajou a convite da organização do festival

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