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Manoel de Oliveira pensa a velhice em novo filme

Em Vou para Casa, que estréia nesta sexta-feira, o diretor português de 93 anos conta com leveza e delicadeza a história de um ator veterano

Por Agencia Estado
Atualização:

O velho Manoel de Oliveira já adaptou Flaubert, Dante, pôs na tela os sermões do Padre Vieira, discutiu a guerra colonial portuguesa, homenageou seu Porto natal, falou disso e daquilo, e agora, do alto dos seus 93 bem vividos anos, resolve refletir sobre a velhice e, talvez, a morte. E o faz com infinita leveza, com a delicadeza possível apenas para quem é mestre em sua arte. Não tendo mais nada a provar, pôde fazer um filme tão simples e encantador quanto este Vou para Casa, que entra em cartaz na cidade. O francês Michel Piccoli faz o ator Gilbert Valence, que está interpretando o papel de Béranger em O Rei Está Morrendo, de Ionesco. Valence, como o próprio Piccoli, é um velho ator, no auge do seu poderio cênico. No meio da representação, uma tragédia da vida real irá alcançá-lo: num acidente de tráfego, morrem sua mulher, sua filha, seu genro. Valence fica só, com um neto órfão para criar. A história pouco sai disso. A vida segue, e o ator veterano sabe que, em mais de um sentido, o show deve continuar. Ele trabalha, trabalha muito na verdade, e dispõe de pouco tempo para o neto. Tem poucos amigos e se dá ao luxo de recusar uma tentadora oferta de trabalho para atuar num filmeco comercial americano. Dois incidentes transtornam a rotina do ator. Um dia, voltando para casa, é assaltado na rua por um drogado. Depois, é convidado para fazer o papel de Buck Mulligan, o amigo de Leopold Bloom, numa adaptação de Ulisses, de Joyce. Deve atuar em inglês. Papel pequeno, encomendado pelo produtor americano (John Malkovich), e que cria dificuldades lingüísticas para um ator de língua francesa. Há muitas maneiras de ver essa pequena história, esse quase apólogo. De um lado, há a maneira desdramatizada como Valence vive suas perdas. Os amigos preocupam-se com ele, mas inutilmente, pois sente-se bem em sua pele. Oliveira usa pequenos detalhes para mostrar esse sentimento. Valence compra um par de sapatos e sente-se contente com sua compra, porque eles são bonitos e confortáveis. E assim, a câmera focaliza os pés do ator enquanto a conversa com o amigo preocupado se desenrola, numa mesa de bar. Quando Valence for assaltado, perderá o relógio e também esse simbólico par de sapatos. Enfim, é todo um modo de existir que começa a desaparecer quando um velho senhor não pode mais sair à noite sozinho sob o risco de ser agredido e ter seus sapatos furtados. É também um outro tempo quando grandes atores passam a ser convidados para emprestar respeitabilidade a besteiróis comerciais. O filme evolui por meio dessas recusas polidas. Valence recusa-se a sofrer mais do que seu pudor admite. Trabalha apenas no que acredita e, ao sentir que está passando dos limites, descobre que é sempre tempo de "voltar para casa", como diz o título desse filme, que não passa, no fundo, de um exercício de dignidade. Mas há também um outro dado, e que vem da reflexão do artista idoso sobre a vaidade das coisas e a finitude humana. Vendo por esse lado, o que o filme diz é que sempre há uma casa para se voltar quando a experiência toda já foi cumprida. É para esse fecho sereno que o filme aponta. Mas, despreocupe-se: depois de Vou para Casa, Manoel de Oliveira já rodou outro longa-metragem, Jóia de Família, ainda inédito. Vou para Casa. Drama. Direção de Manoel de Oliveira. Fr-Port/2001. Duração: 90 min. 12 anos.

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