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Manoel de Oliveira não pára de rodar

Por Agencia Estado
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Prestes a completar 92 anos, que serão comemorados no dia 11 de dezembro, o cineasta português Manoel de Oliveira esbanja vitalidade. Ele chegou na terça a São Paulo, apresentou esta noite Palavra e Utopia na abertura da Mostra Internacional de Cinema, participa hoje à noite de debate sobre o filme e depois embarca para Boston, onde receberá homenagem na Universidade de Harvard. Sua filmografia reflete esse fôlego invejável. Com quase 40 produções no currículo, incluindo títulos que dirigiu e outros em que apenas atuou, Oliveira lançou na década de 90 um filme por ano. E o diretor que iniciou a carreira no cinema mudo faz questão de manter o ritmo. Após rodar no início deste ano Palavra e Utopia, uma adaptação dos Sermões de Padre Antonio Vieira, Oliveira já está finalizando o próximo longa-metragem, Vou para Casa, estrelado por Michel Piccoli, Catherine Deneuve e John Malkovich. E ele ainda desenvolve um projeto de documentário sobre a sua infância no Porto. "Eu me alimento no cinema. E o cinema nada mais é que uma representação da vida", disse o cineasta de fala mansa, que se recusa a dar o "segredo da vitalidade". "Apenas respiro", brincou, em entrevista concedida ontem ao Estadao.com.br. Leia, a seguir, os principais trechos. Estadao.com.br - Seu cinema sempre foi calcado na palavra. Com Palavra e Utopia a idéia é levar esse conceito às últimas consequências, já que aqui o senhor privilegia a sonoridade? Manoel de Oliveira - De certa forma, sim. O cinema atual está muito calcado nas imagens. E, nesse caso, como eu resolvi adaptar textos dos Sermões, era impossível recorrer a outros meios. A palavra é de uma riqueza extraordinária. Ela nos devolve o sentimento e o pensamento. O cuidado meticuloso com o enquadramento em seus filmes faz com que o espectador se sinta diante de um quadro. Isso é intencional? Como não entendo de pintura, não posso almejar realizar quadros. Mas tenho uma preocupação muito grande com os enquadramentos, sempre aproveitando o ambiente que nos cerca. Esse ambiente, mesmo sem a nossa consciência, sempre tem uma forte interferência. Foi no cinema mudo que o senhor aprendeu isso, que o ambiente fala por si mesmo? Sim e não. Todos nós já conhecíamos o cinema antes mesmo de ele existir. Vemos imagens com os olhos fechados, não é? Então, isso é cinema. E o mais interessante é que, quando sonhamos, não há cor ou ruído. Pelo menos não nos meus sonhos (risos). Fale um pouco da escolha de Lima Duarte como o protagonista de Palavra e Utopia. A popularidade do ator, no Brasil e também em Portugal (principalmente em função das novelas), pesou? Não foi a popularidade de Lima Duarte que me atraiu. Não o escalei de olho na abertura de mercado. O que me levou a convidá-lo foi o seu talento como ator. Sabia que ele daria um excelente Vieira, principalmente no fim da vida. Eu não o conhecia pessoalmente. Uma vez ele me entregou um prêmio em Lisboa, mas até eu escalá-lo nós nunca tínhamos conversado. Conhecia o seu trabalho em novelas? Sei que ele fez o personagem Zeca Diabo. Assisto pouco a novelas. Como todos sabem as novelas brasileiras fazem muito sucesso em Portugal. Reconheço que elas têm valor. Não esbanjam originalidade, algumas são mais fracas, mas têm o mérito de não dever nada, nem à televisão americana, nem à televisão européia. A novela brasileira desenvolveu um tipo próprio. Não é surpresa ver o sucesso que elas fazem no mundo inteiro. Para nós, elas trazem um duplo sabor. Temos a chance de ter contato com um português vivo e traz atores com ótima capacidade de representação. Lima Duarte rodou Palavra e Utopia logo após filmar Eu, Tu, Eles, com Andrucha Waddington, de 30 anos. Na comparação, ele disse que o senhor, apesar da idade, é muito mais ousado... Talez ele tenha gostado do meu lema. Logo que começamos a trabalhar juntos, disse que, quando eu piso em um set de filmagem, eu desaprendo tudo para poder aprender de novo. Ao longo dos anos, eu mudei muito a minha forma de filmar, mas sempre estou aprendendo. No início, meus filmes eram mais impulsivos e escondiam certa candura e ingenuidade. Hoje, eu procuro um cinema de reflexão. Não me contento mais em apenas contar uma história. Quero fazer um cinema de resistência, que possa fazer frente à hegemonia do cinema americano, onde tudo é desculpa para os atores tirarem a roupa.

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