"Madame Satã" revela ator prodígio

Vencedor de um prêmio especial do júri na Mostra BR de São Paulo, o ator Lázaro Ramos expressa a luta pela transformação de um homem no travesti Madame Satã, no braço e na navalha

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Por Agencia Estado
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É um prodigioso trabalho de ator, tão impressionante que Lázaro Ramos ganhou, por unanimidade, o prêmio especial que o júri da 26.ª Mostra BR de Cinema, de São Paulo, atribuiu ao melhor intérprete dos mais de 300 filmes exibidos em São Paulo entre 17 e 31 do mês passado. Lázaro é um prodígio. Ator de teatro, ele estréia no cinema com um papel fortíssimo e num filme - Madame Satã - que se inscreve entre os melhores (se não o melhor) da última safra do cinema brasileiro. Foi seu primeiro prêmio, ele fez questão que o diretor Karim Ainouz dissesse isso ao receber o troféu Bandeira Paulista na semana passada. Ainouz também ficou muito alegre. No exterior, em todos os festivais de que Madame Satã tem participado - de Cannes a São Francisco e Biarritz -, a acolhida dos críticos é sempre calorosa. Tantos elogios não dão nenhuma segurança ao diretor. Ele confessa estar tremendo. A prova dos noves começa amanhã, quando Madame Satã chega aos cinemas de três cidades brasileiras - São Paulo, Rio e Belo Horizonte. Nas próximas semanas, chega às demais capitais, sempre incorporando três cidades ao circuito, de cada vez. Talvez, para apreciar as qualidades desse filme singular o espectador tenha de despir-se de seus preconceitos. Convém não subestimar as grandes platéias. Todo mundo também tinha receio por Cidade de Deus. Afinal, o filme de Fernando Meirelles trata de drogas, exclusão social e é interpretado por atores, na maioria negros, que não saíram das novelas da Globo. Tudo isso, que parecia contra o filme, revelou-se a favor e Cidade de Deus ultrapassou a marca dos 2 milhões de espectadores. Como será agora a recepção a Madame Satã? O filme tem cenas de homossexualismo e se passa numa região de baixo meretrício, na Lapa carioca, nos anos 1930. É aí que se desenrola a história de João Francisco dos Santos, o gay que imita uma cantora de cabaré que considera divina. Há um abismo entre o que João Francisco é e o que gostaria de ser. O filme de Ainouz elimina esse gap, esse abismo, para mostrar a transformação de João Francisco no lendário malandro Madame Satã. Há um retrato do Brasil desenhado dentro dessa história. Não é o mais lisonjeiro. Ramos teve de aprender a lutar capoeira. Foi o menor dos esforços a que foi submetido. Ele diz que Madame Satã lhe deu novas perspectivas sobre seu corpo como instrumento de trabalho. Afinal, é um ator. Precisa do seu corpo - e do seu intelecto, bem entendido - para transmitir emoções. O filme de Karim Ainouz oferece belos papéis também a Marcélia Cartaxo, a Renata Sorrah e a Ricardo Blat. Mas a estrela é Lázaro Ramos, expressando o processo de transformação de João Francisco dos Santos em Madame Satã. É um filme sobre o preconceito, sobre a criação de um mito, sobre um gay macho que impõe, no braço e na navalha, o seu desejo de ser outro, ou outra. A liberdade de ser não lhe é outorgada. Vem com muita coragem e muita luta. Madame Satã chega para convulsionar um cinema brasileiro que, com raras exceções, anda muito comportado.

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