Livro traça perfil social da Atlântida

Tristezas não Pagam Dívidas, de Mônica Rugai Bastos, tem o mérito de mostrar que o cinema ocorre em determinado ambiente social e diz muito a respeito dele

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Por Agencia Estado
Atualização:

Os 60 anos da Atlântida estão sendo comemorados pela TV Cultura e pelo Canal Brasil. A Cultura apresenta um filme a cada domingo - o deste será A Dupla do Barulho. E o Canal Brasil dá seguimento ao seu Festival Atlântida, com 12 longas-metragens, apresentados por Carlos Manga e precedidos de perfis dos astros da companhia - Cyll Farney, Adelaide Chioso, Eliana Macedo. E, claro, Oscarito e Grande Otelo. Além dos filmes, há o livro de Mônica Rugai Bastos, Tristezas não Pagam Dívidas, que será lançado dia 27 na Editora Olho d´Água (Rua Doutor Homem de Mello, 1036, em Perdizes). O estudo tem a virtude de mostrar algo que deveria ser óbvio, mas não é: cinema ocorre em determinado ambiente social e diz muito a respeito dele. A Atlântida, como se sabe, não produziu apenas chanchadas. Alternava o gênero cômico com filmes "sérios". No entanto, seus primeiros e significativos títulos foram Tristezas não Pagam Dívidas e Não Adianta Chorar. Como se, numa mensagem explícita, os produtores quisessem dizer que a condição para construir uma indústria cinematográfica no País seria conquistar o espectador. E, para conquistá-lo era necessário diverti-lo. Nem por isso a chanchada, o filme cômico, paródico, "de carnaval", deixava de refletir, e às vezes criticamente, o país onde era feito e consumido. A fórmula vinha de uma sábia mistura da cultura popular circense com elementos de apelo como cantores do rádio, carnaval e shows de auditório. O Brasil era aquele que nascera em 1930 e estava se transformando de país agrícola a industrial. Integração passou a ser palavra-chave para o governo Vargas e era preciso cimentar a nacionalidade em torno de alguns elementos comuns e aceitos, algo como carnaval, futebol e samba. Segundo Renato Ortiz, que escreve o prefácio do livro, é nesse ambiente que a chanchada cumpre a função imaginária e pedagógica de construção da nacionalidade. Era um novo Brasil, aquele em que esse gênero florescia. Exorcizava o pessimismo e abria caminho para o futuro, com o poder da música e da alegria. Rompia com o antigo determinismo das elites, que prognosticavam para o País um porvir mais sombrio que a asa da graúna - "Povo indolente, fruto da mistura de raças, inepto para o trabalho", era o que se dizia e escrevia, de Nina Rodrigues a Silvio Romero. O Brasil que se queria construir agora precisava de outro discurso e os filmes refletiam isso. Mais tarde, em meados dos anos 50, o olhar sobre o País mudou de novo. O pessimismo congênito continuava em baixa, mas os problemas reais começaram a aparecer na tela. Se o marco adotado for Rio 40 Graus, de Nelson Pereira dos Santos, pode-se dizer que o otimismo temperado pela crítica amena e bem-humorada, típico das chanchadas, cedeu vez para um realismo crítico sem complacência. O público pode não ter gostado da mudança, mas àquela altura do campeonato os tempos eram outros e a chanchada já era.

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