Livro analisa retomada do cinema brasileiro

Lúcia Nagib lança hoje a obra O Cinema da Retomada - Depoimentos de 90 Cineastas dos Anos 90, com debate envolvendo a autora e seis diretores

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Por Agencia Estado
Atualização:

Lúcia Nagib, professora da Unicamp e PUC-SP, lança hoje o livro O Cinema da Retomada - Depoimentos de 90 Cineastas dos Anos 90, um alentado volume de 528 páginas, fruto de pesquisa financiada pela Fapesp. O trabalho, que consumiu quatro anos, reuniu, sob o comando de Lúcia, equipe de 13 alunos de pós-graduação, ligados ao Centro de Estudos de Cinema da PUC. O lançamento motivará debate entre a autora e 6 dos 90 entrevistados do livro (Tata Amaral, Daniela Thomas, Ugo Giorgetti, Carlos Reichenbach, Alain Fresnot e Sérgio Bianchi). Cinema da Retomada é o quarto livro de Lúcia, que antes publicou Werner Herzog: O Cinema como Realidade, Em Torno da Nouvelle Vague Japonesa e Nascido das Cinzas: Autor e Sujeito nos Filmes de Oshima. Em 2003, chegará às livrarias londrinas o livro New Brazilian Cinema, que ela organizou para o leitor britânico. A mais recente pesquisa de Lúcia (que também deve virar livro em 2003) é Imagens do Mar: Utopia e Distopia no Cinema Brasileiro Recente. Depoimentos, livro de prazerosa leitura, traça um painel do cinema brasileiro da chamada retomada. Júlio Bressane e Vinícius Mainardi (autor dos controvertidos 16.060 e Mater Dei) preferiram ficar de fora. Lúcia conta que Mainardi "não se reconheceu na entrevista editada" e não quis modificá-la, nem conceder outra, possibilidade que lhe foi oferecida. A atriz e diretora Norma Bengell, traumatizada com o imbróglio de O Guarani, também preferiu o silêncio. Além desses três realizadores, mais uma dezena de cineastas atuantes no período delimitado pela pesquisa (1994-1998) ficou de fora, por razões diversas. Dois cultores do cinema trash - Afonso Brazza, o bombeiro de Brasília, e Talício Sirino, o lutador de caratê de Cascavel - ganharam espaço em condição de igualdade com Nelson Pereira, Saraceni, Babenco ou Walter Lima Jr. Como bem observa Ismail Xavier no denso prefácio que abre o livro, trata-se de "painel de época". Painel que adota critérios ajustados a "espírito de documentação", cujo "horizonte está na composição de uma fisionomia atual do cinema brasileiro que não passa pelo gosto". Ou seja, não se privilegia a política dos autores, tão forte nos anos 50/60. Todos que realizaram (ou melhor lançaram) filmes entre 1994 e 1998, tiveram vez. Lúcia Nagib explica por que delimitou o período 1994/1998 como espaço temporal. "O ano de 1998 marcou o início da nossa pesquisa. Não se trata, portanto, de limite escolhido por mim, mas apenas de periodização para tornar factível o projeto." Ela relata, na introdução da obra, que 1999 é o ano em que a retomada muda de rumo e, de certo modo, acaba, em função da retração do setor privado, da alta do dólar e das mudanças na legislação que começaram a corrigir as falhas da Lei do Audiovisual. "Além do mais, não se pode ficar retomando para sempre. O cinema brasileiro, pós-99, na minha opinião, já é uma produção estabelecida e regular, com razoável experiência técnica e artística, e já desprovido daquela característica inaugural, de primeiros passos da retomada, quando tudo era possível e qualquer um podia fazer cinema." A autora refere-se ao tempo de abundância de recursos, em que - por exemplo, fato lembrado por muitos cineastas, no livro - o ator Guilherme Fontes, que nunca dirigiu um curta, foi habilitado a captar R$ 12 milhões para o projeto Chatô. "Isso acabou. São os que passaram pelo crivo da qualidade que hoje estão aí fazendo filmes." Lúcia lembra que "a quase totalidade dos depoimentos foi revisada pelos entrevistados recentemente e, conseqüentemente, atualizada". Em especial, a filmografia (curtas, médias e longas de cada realizador). "Este foi outro fator de atraso do lançamento do livro, mas acreditávamos que a revisão era indispensável para garantia de confiabilidade das informações. Acho que os cineastas concordam unanimemente com isso." Mesmo com as atualizações, o livro ganharia muito se chegasse ao ano 2000. Ganharia mais ainda se chegasse a 2002, pois nos últimos quatro anos, veteranos realizaram filmes importantes (como Estorvo, de Ruy Guerra; Santo Forte, de Eduardo Coutinho, e Amélia, de Ana Carolina) e algumas dezenas de jovens diretores estrearam (Karin Ainouz, Anna Muylaert, José Padilha, Eryk Rocha, Evaldo Mocarzel, Cláudio Assis, Vinícius Reis, Alexandre Stockler). Estamos vivendo momento divisor de águas. É verdade que, em 1998 - ano em que FHC, reeleito, fez desaparecer a ilusória paridade real/dólar -, o cinema da retomada levou um baque. Os aportes vindos do empresariado, através da Lei do Audiovisual (com seus mecanismos de renúncia fiscal), diminuíram de forma brutal. As estatais (em especial a Petrobrás e a BR Distribuidora) transformaram-se nas grandes fomentadoras do cinema brasileiro. Mas foi em 2001/2002 que o cinema da retomada se aprumou, munido de nova consciência. A realidade econômica motivou os mais jovens (e alguns nem tão jovens, como João Batista de Andrade e Murilo Salles) a partirem para o cinema de baixo custo (B.O.) e a estabelecerem corpo a corpo com a realidade social brasileira. Adeus, "cinema mauricinho". A participação das mulheres no cinema da retomada - cada dia mais visível - é significativa no livro. A diretora Lúcia Murat, militante clandestina nos anos Costa e Silva/Médici, mistura vida e cinema em depoimento que emociona. Susana Moraes e Helena Solberg se entusiasmam com a crescente força feminina no audiovisual brasileiro. Lúcia Nagib, que contou com cinco pesquisadoras em seu time de apoio, lembra que "na época do Cinema Novo" nomes femininos inexistiam. "Hoje, cerca de 20% do total de realizadores entrevistados são mulheres. Um aumento significativo." "Como fazia parte do nosso questionário, quase todos os cineastas comentam suas opções estéticas", explica Lúcia. "Babenco, por exemplo, descreve minuciosamente o modo como concebeu Coração Iluminado, além de dar o histórico do caldo cultural que o alimentou. Acho que este livro conta exatamente como se constrói a estética do cinema brasileiro." E ela observa: "Este livro revela um grande desconhecido: o cinema brasileiro. E o faz através de seus realizadores. As histórias por trás de filmes pouquíssimo vistos e de seus diretores ignorados são comoventes e extremamente instrutivas sobre o que é fazer cinema no Brasil. Não são apenas histórias de fracassos; são histórias de grandes esperanças, de um imaginário forte, intimamente ligado ao que somos. Se a maioria dessas imagens não é vista, pelo menos agora seus criadores ganham voz." O Cinema da Retomada - Depoimentos de 90 Cineastas dos Anos 90. De Lúcia Nagib. 528 páginas. R$ 48,00. Hoje, às 19h30. CineSesc. Rua Augusta, 2.075, tel. 3064-1668.

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