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Lina Chamie faz cinema com luz e linhas melódicas

Por Agencia Estado
Atualização:

Mais de mil pessoas compareceram à sessão especial de Tônica Dominante, terça-feira, no Teatro Municipal. A diretora Lina Chamie, que já exibiu o filme no Festival do Rio BR 2000 e no Festival de Brasília, no ano passado, diz que foi a mais bonita de todas as sessões. Não apenas por causa do entusiasmo dos convidados que atenderam ao convite da DPZ, principal investidora de Tônica Dominante (por meio da Lei Mendonça). O cenário também ajudou bastante. Tônica Dominante é um filme sobre o processo de criação, sobre a paixão da música. Os personagens integram uma orquestra. "Foi lindo ver aquele telão no palco do Municipal; às vezes, criava-se um efeito de metalinguagem, como se os planos do filme tivessem continuidade no próprio espaço do teatro", diz Lina. Graduada em música e filosofia (cum laude) pela New York University, Lina fez mestrado na Manhattan School of Music e morou 13 anos na Big Apple. De volta ao Brasil, manteve a música como prioridade em sua vida e virou instrumentista - seu instrumento, a clarineta. Fernando Alves Pinto toca clarineta em Tônica Dominante. A própria Lina fez a preparação do ator. O roteiro começou a ser gestado em 1994. A filmagem decolou em 1996. Lina filmou o equivalente à metade do filme - pouco mais de 40 dos 80 minutos que dura Tônica Dominante -, quando Pinto, o ator de Terra Estrangeira, de Walter Salles e Daniela Thomas, sofreu um acidente quase fatal. Sua recuperação foi lenta. A produção só foi retomada três anos mais tarde. Por mais doloroso que tenha sido o hiato, Lina acha que foi positivo. Ajudou-a a fortalecer suas convicções sobre o filme que queria fazer. Até por sua formação musical, Lina acredita muito num cinema de ritmos. Ela fala o tempo todo de música, busca equivalências. Sabe que fez um filme ´difícil´. Mas esse conceito de difícil só pode ser aplicado a Tônica Dominante por quem reza pela cartilha de Hollywood. O filme de Lina não é narrativo no sentido hollywoodiano. Não conta uma história linear, com começo, meio e fim. Mas tem uma história, sim. Boy meets girl. Rapaz encontra moça. Velho como o cinema, mas novo na abordagem de Lina. É um filme visualmente deslumbrante. Nunca será demais destacar a colaboração da diretora de fotografia Kátia Coelho. As cenas das dunas possuem uma intensidade hipnótica que deixa o espectador siderado. Desde o clássico Lawrence da Arábia, não se via nada igual. E olhem que aquele era um filme do mestre David Lean, feito com recursos de superprodução. Tanta beleza gera mal-entendidos. Um crítico escreveu que Tônica Dominante aposta só na forma e é esvaziado de conteúdo. Como leoa em defesa da cria, Lina não concorda. Diz que fez uma aposta radical na emoção. E provoca: "As sinfonias de Beethoven são elaboradíssimas, mas também apostam na emoção." A respeito da polêmica - tem ou não história? -, Lina lembra que, logo no início de Tônica Dominante, o maestro interpretado por Carlos Gregório resume o que não deixa de ser a trama do filme, citando a fábula do mitológico Anfion. Só que essa trama é narrada de forma bastante abstrata. Lina fala muito na fábula, mas define seu filme como ´metafórico´. A estrutura, mais que narrativa, é musical. Tônica Dominante divide-se em três partes, três dias divididos mais pela cor do que pela cronologia. Esses três dias equivalem aos três movimentos de uma sonata. Para fazer seu discurso metafórico, a doutora de filosofia e música amparou-se na Inacabada, de Schubert, que fornece mais que o motivo musical. Mas ela cita Mahler, que gostava de trabalhar com várias linhas melódicas na mesma composição. Lina acha que faz a mesma coisa em Tônica Dominante. Está aberta a críticas, só não aceita que alguém venha colocar sua sinceridade sob suspeita. "O discurso desse filme é poético; Tônica é um poema audiovisual, não se liga à prosa." Há momentos que parecem exagerados - Vera Zimmermann, a Vera gata de Caetano Veloso, quebrando seu instrumento, a crise da personagem de Vera Holtz. O overacting da atriz, se por um lado desequilibra a narrativa, por outro agrada à diretora, que sente muita adesão da platéia nessa parte e apóia-se de novo na música para concluir um raciocínio. "Muitas sinfonias são assim; você ouve a música e, de repente, é surpreendido pela explosão de sons." Para ela, a metáfora é clara. Como filme sobre o processo de criação, Tônica Dominante trata da busca da luz. É o tema expresso na cena mais emblemática do filme, quando Fernando Alves Pinto avança pela Rua Xavier de Toledo, no centro de São Paulo, caminhando da escuridão para a luz. São quatro minutos de puro encantamento audiovisual. Filha de poeta (Mário Chamie), Lina foi buscar em Carlos Drummond de Andrade a inspiração para o próximo trabalho, Onde não Há Jardim. Tônica Dominante - Drama. Direção de Lina Chamie. Br/2000. Duração: 80 minutos. Espaço Unibanco 1, às 15h30, 17 horas, 18h30, 20 horas e 21h30. Lumire 2, às 16 horas, 18 horas, 20 horas e 22 horas. Livre

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