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Lima Duarte, presença brasileira em Veneza

Ator que interpreta o padre Antônio Vieira em Palavra e Utopia, do cineasta português Manoel de Oliveira, quer conseguir um autógrafo do ídolo Clint Eastewood

Por Agencia Estado
Atualização:

Lima Duarte protesta quando se lamenta a ausência de representante nacional no Festival de Veneza. "Sou o mais brasileiro dos atores brasileiros, portanto o Brasil vai estar lá, sim senhor!", assegura o ator de 71 anos, protagonista de Palavra e Utopia, 38.º filme do veterano cineasta português Manoel de Oliveira. Como se ainda não bastasse, Lima interpreta o padre Antônio Vieira (1608-1697) autor de célebres sermões, nascido em Lisboa, mas brasileiro por adoção, chegando a morrer em Salvador. O ator brasileiro viajou para Veneza por insistência de Oliveira, que o queria ao seu lado para acompanhar a exibição do filme. Lima aproveitou o convite para também saborear o festival: quer passear, degustar bons vinhos e, se possível, conseguir autógrafos dos ídolos, como Clint Eastwood. Apesar de uma vasta experiência (32 filmes, 50 novelas de televisão e diversas interpretações no teatro, em 46 anos de carreira), jura que pouco se preocupa em voltar com alguma premiação. "Tive o prazer de trabalhar com um dos últimos remanescentes do cinema mudo e isso, para mim, não tem preço." Para interpretar Antônio Vieira na última fase da vida (outros dois atores representam o padre quando jovem), Lima cultivou uma barba, que acabou também incorporada ao papel de Osias, de Eu Tu Eles, filme que rodou enquanto esperava o ínicio das filmagens de Palavra e Utopia. "Aceitei filmar com o Andrucha (Waddington) porque não atrapalharia o outro trabalho e ele gostou da barba", explica. "Assim, passei meu período em Juazeiro, nossa base na Bahia, dividindo o tempo entre compor o Osias e o padre Vieira; só quero ver se o padre vai ter algo do Osias também." Nessa fase, Lima pediu uma folga para viajar a Salvador, onde encontrou Manoel de Oliveira, que pesquisava locações. O ator convidou o diretor a visitar o set de Eu Tu Eles e teve uma recepção animadora. "Eu queria muito que ele conhecesse uma região em que certamente nunca esteve; seria muito interessante alguém acostumado a lugares que lembram um quadro de Boticcelli se deparar com um completamente diferente, um lugar que lembre uma foto do Sebastião Salgado", afirma. "Mas seus assessores me avisaram que não seria aconselhável que ele enfrentasse o sertão." Condições climáticas - Lima conta que toda viagem de Oliveira é previamente preparada: seus auxiliares pesquisam condições climáticas do local, hotel, culinária, meios de transporte, para que nada surpreenda e incomode o veterano diretor. Oficialmente, sua data de nascimento é 11 de dezembro de 1908, mas o próprio Oliveira se recusa a dizer a idade verdadeira e ainda colabora para aumentar a confusão. Um exemplo é lembrado por Lima, ao contar, entre gargalhadas, como foi seu primeiro contato com o diretor. Aconteceu na Confeitaria Majestic, belo ponto turístico da cidade natal de Oliveira, o Porto, construída no início do século. Ao chegar, Oliveira examinou cuidadosamente o local e, depois de alguns instantes, disparou: "Estive aqui na inauguração e algo está mudado." "Fiquei sem saber se ele dizia a verdade, mas seu bom humor impressiona", comenta o ator entusiasmado com a vivacidade do encenador. "Apesar de atitudes pouco comuns, como nem saber acender um isqueiro, ele tem uma energia incrível e faz planos para daqui a dez anos." O diretor português decidiu convidar Lima para viver o padre Vieira depois de acompanhar sua atuação como Sinhozinho Malta em Roque Santeiro. "Ele adora novelas brasileiras e até me chamava de Sinhozinho durante as filmagens", diverte-se o ator, lembrando ainda de um detalhe decisivo, apontado pelo próprio diretor: "Com sua voz grave, ele elogiava o que chama de meu olhar de jesuíta." Por conta disso, o diretor sempre preferiu trabalhar cenas que fogem das soluções fáceis, reforçando sua fama de diretor remanescente do cinema clássico. Assim, Oliveira dispensou passagens mais conturbadas da vida do padre Vieira, como sua viagem à Amazônia ou a perseguição que sofreu da Inquisição. O diretor português preferiu enfatizar a enorme energia que o padre concentrou em sua vocação às letras, especialmente à poesia e aos sermões. Para isso, foi rigoroso em todas as marcações de cenas. "Fiquei mais de 40 minutos deitado, interpretando o Vieira morto, até que ele se convencesse ter chegado ao ponto certo", lembra Lima disposto a prolongar sua carreira no cinema português - Palavra e Utopia já é o terceiro, antecedido por Kilas, o Mau da Fita (1980), de José Fonseca e Costa, e por O Rio do Ouro (1998), de Paulo Rocha. "Além de gostar do nosso sotaque os portugueses se comovem com a nossa forma ardente de interpretar."

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