Leni Riefenstahl festeja 100 anos com documentário

A polêmica diretora alemã, a preferida de Hitler, para quem filmou um congresso do Partido Nazista, lança documentário sobre a vida marinha do Oceano Índico

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Por Agencia Estado
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A bailarina, atriz, diretora e fotógrafa alemã Leni Riefenstahl não deverá comemorar amanhã o centenário de seu nascimento com muita tranqüilidade. Suas palavras e aparições despertam a ira dos que sofreram com o nazismo durante a 2.ª Guerra Mundial, especialmente os judeus. O motivo é simples: Leni foi a cineasta preferida de Adolf Hitler, dirigindo para ele um dos mais impressionantes documentários políticos da história, O Triunfo da Vontade, sobre o congresso de 1934 do Partido Nazista, em Nuremberg. As imagens grandiosas serviram para difundir com sucesso a ideologia hitlerista. Mesmo assim, ela pretende marcar a data com a exibição de um documentário sobre a vida marinha do Oceano Índico, resultado de mais de mil mergulhos feitos entre 1974 e 2000. Mesmo que sua disposição para entrevistas seja rara, Leni Riefenstahl conversou com jornalistas de diversas publicações alemãs nos últimos meses, quando novamente defendeu sua inocência. "Eu não era uma nazista, mas uma artista. Não me interessava por política e desejava apenas fazer filmes que não fossem estúpidos", comentou ela à revista Vogue. Leni diz ter sido uma das milhares de pessoas atraídas pelo carisma de Hitler e confessa sua vergonha por não ter percebido a perseguição aos judeus. Mais interessada na posição da câmera que na atitude política de O Triunfo da Vontade, Leni garantiu, para o diário Die Welt, que nada no filme é anti-semita. "Na época, muitos dos meus amigos na Alemanha, nos EUA e em outros países eram judeus. Estava preocupada apenas com a arte." O que a cineasta não nega era o fascínio que exercia sobre o Führer. A primeira vez que se encontraram foi em 1932, quando Hitler a convidou para um passeio na costa do Báltico. Ele, que se tornaria primeiro-ministro no ano seguinte, já admirava o trabalho de Leni como atriz. O esplendor de seu trabalho foi conquistado em A Montanha Sagrada, de Arnold Franck, que, adepto de cenas realistas, a fez permanecer sob uma avalanche de neve. Leni definitivamente atraiu a atenção de Hitler quando estreou na direção com o filme A Luz Azul, em que testou vários tipos de lentes e filtros para que as cenas revelassem um clima de conto de fadas. O longa foi premiado no Festival de Veneza de 32 e rendeu ainda o convite para passear com Hitler que, entre outras intenções (Leni conta que ele tentou beijá-la), garantiu que ela seria a responsável pelos filmes de seu governo. A promessa foi cumprida e Leni não só registrou o congresso nazista em O Triunfo da Vontade como também filmou a Olimpíada de Berlim, de 1936, em que utilizou mais de 40 cinegrafistas e consumiu 18 meses de edição para finalizar Olympia, culto à raça ariana. Leni defende-se novamente da acusação de defender a causa nazista ao lembrar que recusou um corte sugerido por Goebbels, auxiliar de Hitler, das cenas do atleta negro americano Jesse Owens, cuja vitória no atletismo arranhou a tese da supremacia ariana. Com a carreira de diretora arruinada depois da guerra, Leni dedicou-se à fotografia. Registrou o cotidiano da tribo nuba, no Sudão, e, já nos anos 70, aprendeu a mergulhar realizando fotos e documentários submarinos. O passar dos anos não tirou o vigor das imagens captadas no regime nazista que, mesmo ainda provocando discussões políticas, ainda arregimenta fãs. Ao Die Welt, por exemplo, Leni conta que tem admiradores confessos no cinema americano, como o cineasta Oliver Stone e o ator e diretor Kevin Costner. Recentemente, ela aceitou que Jodie Foster realizasse o desejo de dirigir, produzir e estrelar um filme sobre sua história, cuja rodagem começa no ano que vem. "Só espero que ela faça uma obra decente sobre minha vida", comenta Leni que, apesar dos afagos, confessa-se uma mulher cansada e com muitas dores, que aplaca com morfina, o que muitas vezes embaralha seu raciocínio. Mesmo centenária, ela ainda é perseguida por sua história - na semana passada, uma sobrevivente do Holocausto a processou, exigindo que Leni reconheça publicamente que errou ao afirmar que nenhum dos figurantes do filme Tierra Baja, que ela dirigiu na Espanha no início dos anos 40, não tenha sofrido nada. Segundo a autora do processo, dos 48 figurantes, mais de 20 foram mortos em campos de concentração.

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