Lasse Hallstrom decepciona em novo filme

Chegadas e Partidas é mais um filme certinho e medíocre do diretor de Regras da Vida e Chocolate. Embora demonstre habilidade na direção de atores, Hallstrom parece pouco exigente consigo mesmo

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Por Agencia Estado
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Cooptado por Hollywood, após ganhar o Oscar de melhor filme estrangeiro por Minha Vida de Cachorro, o diretor Lasse Hallstrom seguiu uma carreira meio errática no cinema americano até virar o queridinho da Miramax. A empresa tem investido pesado no cineasta. Chegadas e Partidas é o terceiro filme sucessivo de Hallstrom na Miramax, após Regras da Vida e Chocolate. Não é difícil entender o que atraiu o diretor: Chegadas e Partidas faz uma síntese das duas obras anteriores. E, depois, Hallstrom dificilmente conseguiria dizer não à chance de dirigir atores como Kevin Spacey, Julianne Moore e Judi Dench. É um drama familiar, com um pé no mágico - como Chocolate. E trata, de forma palatável para o cinemão, de um tema tão tabu quanto o incesto, que já havia em Regras da Vida. Lembram-se do personagem de Deloroy Lindo, que violentava a própria filha e ela engravidava dele? Aqui é o irmão que violenta a irmã e ela carrega essa dor pela vida, só chegando a vingar-se muito mais tarde, após a morte do homem que a traumatizou. Hallstrom nega que tenha se americanizado, mas narra suas histórias humanas de forma muito certinha, o que para Hollywood só pode valer a seus filmes a definição de "artísticos". Esse verniz de coisa bem-feita e elegante, com bela fotografia, impecável direção de arte e interpretações bem orquestradas, carrega em si mesmo algo de frustrante. Hallstrom não radicaliza, nem quando finge ousar. Configura-se num registro médio. É assim que bate na tela a história de Quoyle, o personagem Kevin Spacey, esse homem meio patético, abandonado pela mulher que não hesita em levar seus amantes para casa, convencida da falta de fibra do marido. Ela se chama Petal e é interpretada por Cate Blanchett, que cria uma personagem extrovertida e vulgar, bastante diferente da heroína de Krszystof Kieslowski em Paraíso, que virou filme de Tom Tykwer. Petal morre num acidente e Quoyle fica com a guarda da filha. Surge na vida de ambos a velha tia Agnis, interpretada por Judi Dench. O trio, sem eira nem beira, vai para a velha casa que pertenceu à família, num penhasco nevado à beira do fim do mundo, na cidade pesqueira de Newfoundland. É aí que afloram os conflitos (e revelações escabrosas como a do incesto). A casa é ela própria uma personagem, cujo desfecho encerra uma promessa de reconstrução que passa pelo reerguimento moral de Quoyle a partir do seu envolvimento com Wavey Prowse. Julianne Moore também faz uma personagem machucada pela vida. Abandonada pelo marido, ela simula a morte dele, passando por viúva, dedicada ao filho deficiente (e que, claro, liga-se à filha de Quoyle). Com esses elementos, o romance homônimo de E. Annie Prouix ganhou o Prêmio Pulitzer. Não será de admirar se Chegadas e Partidas também colher, a exemplo de Regras da Vida e Chocolate, algumas indicações para o Oscar. Num texto distribuído à imprensa, Hallstrom explica o que o atraiu no livro - foi o estilo sem limites da escritora, que mistura drama, comédia e farsa para criar o que ele chama de "beleza poética do trivial absoluto". O diretor também confessa que é daqueles que ficam completamente envolvidos por qualquer tentativa de retratar de forma honesta e realista a vida das pessoas. Nem honesta nem realista - Hallstrom adocica sua história além da conta -, Chegadas e Partidas constrói-se em torno desse protagonista que precisa recuperar a auto-estima, mas o tema do filme não é só a sua redescoberta interior. É também e principalmente um filme sobre a família, tratando de conflitos que ficam irresolvidos por gerações e de como as pessoas lidam com isso. Dito assim, você é capaz de pensar que o Chegadas e Partidas é muito melhor do que realmente é. Hallstrom tem talento - talvez fosse melhor usar outra palavra, habilidade. Sabe lidar com atores, o que é uma grande coisa. Sabe dirigir crianças, o que também não representa pouca coisa. Mas ele é pouco exigente consigo mesmo. Trabalha num registro que hoje fica bem abaixo de sua ambição inicial - em Minha Vida de Cachorro -, como se para tratar de pequenas vidas fosse preciso adotar esse tom meio anódino que também faz, no mau sentido, os pequenos filmes. Chegadas e Partidas poderá até fazer sucesso de público. É quase certo que o faça, mas é decepcionante. Seria ainda mais decepcionante se não tivesse esse elenco, à frente a grande Judi Dench, cuja simples presença na tela vem sempre carregada de pathos, comovendo a alma e despertando um sentimento de compaixão pela dor humana.

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