Lançamentos colocam os faroestes ‘made in Hollywood’ e 'spaghetti' em debate

Duas novas caixas da Versátil resgatam obras de Walsh e Boetticher e provam a grandeza de Sollima

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Com a possibilidade de ver filmes raros on demand ou então, sejamos realistas, de baixá-los de graça na rede, onde quase tudo já foi pirateado, os lançamentos de DVD e Blu-ray vão ficando obsoletos. Permanecem os itens de colecionadores e, aí, os extras contam (muitos) pontos. A Versátil está lançando duas novas caixas que prometem fazer a festa dos fãs de bangue-bangue. Faroeste – Volume 3 traz produções clássicas de Hollywood, com direito a depoimentos de Taylor Hackford e Bertrand Tavernier sobre o gênero que já foi definido como “o cinema norte-americano por excelência”. Hackford dirigiu Ray, que deu o Oscar para Jamie Foxx, e o francês Bertrand Tavernier, além de diretor, a quem se devem grandes filmes, foi crítico e escreveu, em parceria com Jean-Pierre Coursodon, uma obra emblemática – 30 Ans de Cinéma Américain, que teve uma edição atualizada, 50 Ans. O outro lançamento também contempla o western, mas o italiano – Faroeste Spaghetti.

Faroeste Volume 3 traz três discos. No primeiro, estão Nas Garras da Ambição/The Tall Men, de Raoul Walsh, com Clark Gable, Robert Ryan e Jane Russell, de 1955, e Entre Dois Juramentos/Two Flags West, de Robert Wise, com Joseph Cotten e Linda Darnell, de 1950. No segundo, mais dois títulos, Quem Foi Jesse James?/The True Story of Jesse James, de Nicholas Ray, com Robert Wagner e Jeffrey Hunter, de 1957, e Fibra de Herói/Buchanan Rides Alone, de Budd Boetticher, com Randolph Scott. E, no terceiro, Um Homem Difícil de Matar/Monte Walsh, de William Fraker, com Lee Marvin, Jack Palance e Jeanne Moreau, de 1970, e Fúria Abrasadora/Ramrod, de André DeToth, com Joel McCrea e Veronica Lake, de 1947.

Cena de 'Um Homem Difícil de Matar' (Monte Walsh), com Lee Marvin e Jack Palance Foto: Reprodução

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Pode-se traçar uma história do western só a partir desses filmes. Cobrem os anos em que a conquista do Oeste ainda era vista como algo heroico, mas os heróis começavam a ser colocados em xeque (os anos 1940 e 50) e a decadência do gênero, com a desmistificação dos mocinhos (os anos 1960 e 70). Walsh é considerado um mestre da mesma estatura de John Ford e Howard Hawks. Mas seu mocinho não é John Wayne. Clark Gable, o eterno Rhett Butler de ...E o Vento Levou, era um cínico. Robert Ryan e ele transportam gado. Entra em cena Jane Russell, a Marilyn Monroe morena (atuaram juntas em Os Homens Preferem as Loiras) e a confusão está formada. Walsh foi um feminista avant la lettre. Criou mulheres fortes que, literalmente, peitavam seus homens (em mais de um sentido).

Fibra de Herói pertence à série de obras-primas do diretor Boetticher com o astro Randolph Scott. A série de seis filmes foi produzida por Harry Joe Brown e, invariavelmente, escrita pelo futuro diretor Burt Kennedy. Esse é a exceção – Charles Lang é o roteirista. Boetticher foi um gigante por sua economia e simplicidade e isso fica claro na história de Scott como o solitário que enfrenta família corrupta que domina cidade na fronteira. A chamada ‘verdadeira história de Jesse James’ marca uma das incursões de Nick Ray pelo Velho Oeste. Jean-Luc Godard, que era louco por Ray, dizia que ele era o Rimbaud de Hollywood.

A história ‘verdadeira’ romantiza os irmãos James. Tudo conspira contra eles, que pegam em armas. O formato cinemascope, que Fritz Lang dizia que era bom para filmar ataúdes, não impede aqui o intimismo. Os jogos de olhares são tão intensos como os tiroteios. Ray quer revelar a alma de seus pistoleiros trágicos – e consegue. Mais trágico ainda é o Monte Walsh de Lee Marvin. Ele realmente vive o fim do Oeste. Os amigos morrem, a mulher amada (uma prostituta) morre e Monte fica cada vez mais sozinho. Fraker foi um grande diretor de fotografia – a imagem é trabalhada para reproduzir esse clima de um mundo que desaparece. O húngaro De Toth, que Jean Tulard, no Dicionário de Cinema, coloca no mesmo plano de Ford, Walsh e Lang – como o quarto mosqueteiro caolho de Hollywood –, assina o faroeste noir, sobre mulher que herda rancho e desafia poderosos. Até o mais fraco da série, Entre Dois Juramentos, sobre soldados confederados que lutam ao lado dos nortistas, tem seu interesse.

Na caixa do Faroeste Spaghetti, com dois discos e quatro filmes, o melhor é O Dia da Desforra/La Resa dei Conti, de 1966. E se o spaghetti não for só a versão violenta do western autêntico? E se sua releitura do gênero propuser algo mais... crítico? Desmistificador? Sollima é o maior Sergio do spaghetti, maior que o próprio Leone. Quem duvida é porque não viu Lee Van Cleef e Tomas Milian na trama sobre caçador de recompensas que persegue atirador de facas mexicano. Milian também está em Tepepa, de Giulio Petrone, e Giuliano ‘Dólar Furado’ Gemma é o astro de Dias de Ira, de Tonino Valerii, também com Lee Van Cleef, o feio de Leone. O quarto spaghetti é dirigido por um francês, Robert Hossein, que também atua em Cemitério sem Cruzes. Atenção para Michele Mercier, da série cult Angélique, a Marquesa dos Anjos.

FAROESTE VOLUME 3. Caixa com três discos e seis filmes de autores como Raoul Walsh e Nicholas Ray. Versátil, R$ 69,90

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FAROESTE ‘SPAGHETTI’. Caixa com dois discos e quatro filmes, entre eles ‘O Dia da Desforra’, de Sergio Sollima. Versátil, R$ 49,90

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