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‘La Vanité’ fala do homem que busca auxílio para terminar seus dias com dignidade

Novo filme do suíço Lionel Baier trata vida e morte em chave irônica e desdramatizada

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

A “Vanité” é uma forma de pintura da Renascença. Consiste em colocar o tema bíblico (“Vaidade das Vaidades, tudo é vaidade”) em forma figurativa. A ideia é confrontar toda soberba deste mundo com a finitude humana, a morte, que tudo enterra e iguala, o pobre e o rico, o ignorante e o culto, o humilde e o arrogante.

No filme La Vanité, do suíço Lionel Baier, na cabeceira da cama de um motel está pendurada a reprodução de uma das mais famosas “vanités” de todos os tempos, pintada pelo mestre alemão Hans Holbein em 1533. Chama-se Les Ambassadeurs e mostra duas figuras nobres, vestidas de luxo e cercadas por todos os objetos cobiçados da época. Miram o pintor (e o espectador) com o olhar sereno de quem chegou ao topo do mundo. A seus pés, um objeto misterioso, como um osso comprido e do qual não se divisam as formas. Mas, olhado de certo ângulo, esta anamorfose mostra o que é, um crânio humano.

Cena do filme La Vanite Foto: Cena do filme La Vanite

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É esse quarto de motel que David Miller (Patrick Lapp) escolhe para receber ajuda assistida para morrer. Viúvo, sem contato com o filho, sem mais ilusões e doente terminal de câncer, esse arquiteto decidiu encerrar seus dias e assim recorre a uma empresa que assiste aos que desejam praticar a eutanásia e partir sem sofrimento. 

A funcionária que chega para auxiliá-lo, e que atende pelo irônico nome de Esperanza (Carmen Maura), não parece ter lá muita prática. Faz com que preencha os papéis necessários e lhe dá um calmante, mas se atrapalha com o resto do ritual. O filho de Miller, convocado especialmente para servir de testemunha, segundo ordena a lei suíça da eutanásia, recusa-se a atender o pai. Este resolve pedir ajuda ao vizinho de motel, um jovem imigrante russo, Tréplev (Ivan Georgiev), que trabalha como garoto de programa.

O filme discute questão tão séria numa chave oscilante entre o riso e a dor. O humor ajuda a desdramatizar a situação, sem atenuar o principal fato, que o personagem termina a vida sozinho, sem ter uma pessoa íntima a quem falar em seu desespero. Daí a apegar-se a essa bondosa atendente, e também ao imigrante de boas intenções, é pouco mais que um passo.

A história é conduzida de um extremo a outro com habilidade e economia. Perde-se, às vezes, em inúteis flashbacks da vida do personagem, em previsível branco e preto para marcar a diferença com o tempo presente da narrativa. Termina em chave terna e emocionante, sem chantagem ao espectador. Esse é um ponto a favor.

Baier faz uma aposta complicada, mas não de todo perdida por antecipação – aprisiona a maior parte da ação nos espaços fechados, o que lhe dá ar teatral. Quando isso acontece, a câmera depende demais dos atores. Um escorregão e, pronto, lá se vai a atenção do público. Isso não acontece. Lapp é bom ator dramático, faz seu personagem desesperado rir de si mesmo. Maura também é atriz de recursos e tem toda a cancha anterior de ser uma das personas preferenciais de Pedro Almodóvar. Sabe que do ridículo ao sublime não há mais que um passo, como diz o antigo ditado francês. E o ator mais jovem, Giorgiev, segura bem a onda e não se deixa intimidar pelos veteranos.

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Além do mais, o filme concentra bastante sua trama e é sintético, virtude rara hoje em dia. Sem ser de fato grande, La Vanité toca em pontos essenciais do humano em qualquer época e encontra significado particular na contemporaneidade, quando a solidão é tão comum que chega a ser quase banal.

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