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Jornalista brasileira biografa Woody Allen

O livro Woody Allen, da jornalista Neusa Barbosa, repassa a vida do cineasta e descobre um fato inédito: Allen se identificou plenamente com Brás Cubas, personagem criado por Machado de Assis

Por Agencia Estado
Atualização:

Neusa Barbosa faz crítica de cinema desde 1990. Passou por revistas e jornais e hoje concentra sua atividade no site CineWeb. Neusa - ou Neusinha, como é carinhosamente chamada, por seu tipo mignon - se propôs ao que não era pouca coisa: quis escrever um livro que fosse (quase) tão divertido quanto as comédias de Woody Allen. Conseguiu. Woody Allen, que inaugura a coleção Gente de Cinema, da Editora Papagaio e do CineWeb (R$ 30, com direito a desconto para quem compra no site www.cineweb.com.br), não faz feio em nenhuma biblioteca de erudito e, com certeza, vai agradar a leitores menos metidos pelo estilo elegante e humorado da autora, por suas observações inteligentes e, claro, pelas revelações que faz sobre o autor número 1 de comédias do cinema americano atual. Um autor de comédias? Será que Woody Allen é só isso? E por que o ´só´ se a história da comédia, ao longo destes mais de cem anos de cinema, é permeada pelas contribuições notáveis de atores/cineastas como Charles Chaplin, Jerry Lewis e Jacques Tati, para citar apenas três? O riso não é nenhuma arte menor e até se recomenda que os interessados leiam, como complemento deste Woody Allen, o livro lançado pela editora gaúcha da Unisinos, sobre a teoria do riso. É ótimo e ajuda a dar consistência ´acadêmica´ a intervenções que Neusa Barbosa faz de maneira jornalística, quase "en passant". Você não precisa concordar com tudo o que ela diz. Neusinha esquece a famosa imparcialidade jornalística - que quase nunca existe... - e toma partido ao lado do ator e diretor no episódio da separação de Mia Farrow. Trata a atriz como limitada, quase medíocre, que teve a sorte de casar-se com o grande Woody, que lhe ofereceu seus mais belos papéis. Mia virou uma fantasia alleniana. Sua personagem em Hannah e Suas Irmãs é humanamente impossível. É terna, compassiva, inteligente, generosa e observadora, tudo o que Mia não foi na separação - tão traumática que é difícil atirar-lhe a primeira pedra. Hannah é do tempo em que eles se amavam. Será mera impressão ou os filmes mais importantes de Allen foram feitos com Mia, sob a influência de Mia? Depois, ele só fez um grande filme - Desconstruindo Harry -, embora seja possível continuar divertindo-se, e muito, com suas produções recentes. E Mia, de atriz limitada, não tinha nada. Seus papéis em O Bebê de Rosemary, de Roman Polanski, Cerimônia Secreta, de Joseph Losey, e até John e Mary, de Peter Yates, revelam uma ilimitada capacidade de expressar emoções. Até onde teria chegado, se não tivesse se adequado às fantasias que Allen teceu para ela, em Hannah e Suas Irmãs e Simplesmente Alice? Mas, enfim, essa é uma observação mínima e o estudo da gênese que a autora faz do personagem alleniano é muito bem fundamentado. Neusinha mostra como Allan Stewart Konigsberg, nascido no Brooklyn, em Nova York, em 1.º de dezembro de 1935 - acaba de completar 67 anos -, criou para si mesmo a persona de Woody Allen, o intelectual judeu que expressa na tela as neuroses de um homem comum, nem bonito nem feio, cheio de fraquezas e atormentado por problemas que qualquer um pode identificar, em qualquer lugar do mundo. Neusinha mapeia a carreira, analisa filme por filme, identifica temas, analisa o estilo, simultaneamente verbal e visual. À custa de tanto fazer psicanálise, Woody Allen é um psicanalista do humor, que deita seus personagens no divã para discutir as neuroses do homem e da mulher contemporâneos e para revolucionar, em Zelig e A Rosa Púrpura do Cairo, a própria linguagem. A maior contribuição do livro, e essa é única, considerando-se que muito já foi escrito sobre Allen em todo o mundo, é a descoberta de uma conexão brasileira em sua vida e obra. Allen pôs Denise Dumont cantando Tico-Tico no Fubá em A Era do Rádio. A coisa vai mais fundo. Ele ama Noel Rosa e se identificou totalmente com Brás Cubas, as ler as Memórias Póstumas de Brás Cubas, do grande Machado de Assis. Você acredita que Allen disse a um amigo, sobre Brás Cubas: "É meu espírito num personagem criado por um homem negro no Brasil há mais de cem anos"? Depois disso, só lendo, no livro, a deliciosa entrevista que o autor, aqui personagem, concedeu a Neusa Barbosa no Festival de Cannes deste ano, que inaugurou com seu filme mais recente, o ainda inédito Hollywood Ending.

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