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John Woo decifra os códigos da guerra

Diretor fala sobre sua nova produção, estrelada por Nicolas Cage, que vai inaugurar mostra no Festival Rio BR, conta suas impressões sobre o Brasil e adianta seu próximo projeto: um filme sobre a construção de uma ferrovia no século 19

Por Agencia Estado
Atualização:

Ele teria adorado. John Woo, o grande diretor de ação de Hong Kong que hoje usa a máquina de Hollywood para expressar seu imaginário - em narrativas violentas, mas não destituídas de humanidade -, deu, na semana passada, uma entrevista exclusiva. Falou sobre sua carreira e, em especial, sobre o novo filme, Códigos de Guerra, que deveria estrear na quinta-feira nos cinemas brasileiros, mas agora foi atirado para adiante. No dia seguinte à realização da entrevista, a Fox, que distribui o filme no Brasil, acertou com a organização do Festival do Rio BR 2002 e Códigos de Guerra vai inaugurar a mostra Premières EUA, uma das seções embutidas no grande evento carioca. Woo guarda excelente lembrança do Rio. Esteve no Brasil pouco antes da Copa de 1998, para gravar um comercial da Nike com Ronaldo. "Ele me mostrou coisas muito interessantes da cidade." Admite que o Rio seria um bom local para filmar. Confessa que foi o desejo de conhecer outras culturas, outras pessoas, que o levou a abandonar Hong Kong para tentar a sorte em Hollywood. Foi levado por Jean-Claude Van Damme, a quem dirigiu em O Alvo. Van Damme também tentou levar outros diretores de Hong Kong para o cinema americano: Tsui Hark, Ringo Lam. Só John Woo se deu bem no cinemão. Faz filmes espetaculares, nos quais dispõe de técnicos e batalhões de especialistas em efeitos para coreografar a violência do jeito que gosta, mas está cada vez mais interessado em criar narrativas com base em material humano. Acha que alcançou uma boa síntese em Códigos de Guerra. Quando os roteiristas John Rice e Joe Batteer lhe contaram a história do filme, ele quase não percebeu, mas de repente estava chorando. Espera ter passado a mesma emoção ao público. Ele espera - você pode estar certo de que conseguiu. Códigos de Guerra recria um episódio pouco conhecido da 2.ª Grande Guerra, quando os serviços de inteligência dos EUA usaram a língua dos navajos para criar os códigos ultra-secretos sobre movimentos de homens e equipamento pesado no front do Pacífico. Os japoneses estavam conseguindo decifrar todos os códigos. Nunca quebraram o código dos navajos, informa o letreiro final. Na história, Nicolas Cage faz o sargento que sobrevive ao extermínio do seu pelotão e, perseguido pela culpa, ganha uma missão dificílima. Deve "colar" a um jovem índio navajo, interpretado por Adam Beach, especialista no código. Sua missão é proteger o código, não o índio. Isso significa matar, se preciso. Conhecido o fascínio de Woo por códigos de amizade, lealdade e honra, você pode imaginar o que representa essa ligação para Cage. Woo, de 54 anos, começa seu filme num solo sagrado do cinema - Monument Valley, a reserva no Utah onde John Ford rodou alguns de seus maiores westerns. A reserva foi escolhida por dois motivos: "Precisava de um local que fosse convincente como referência espacial para o personagem do pele-vermelha, mas eu precisava também de um lugar em que o espectador também se sentisse próximo do céu." A locação escolhida foi justamente aquela em que Ford realizou Rastros de Ódio, o mítico The Searchers. "Aquilo é o céu", diz Woo. E ele acrescenta: "Por meio de um corte, o espectador é projetado de chofre no inferno." O inferno é a guerra no Pacífico, onde o pelotão de Cage está cercado por um contingente muito maior de japoneses - em número e armas, também. Ocorre um banho de sangue. Cage vai parar no hospital, com o tímpano partido, e só então o espectador é informado da história do código, com a entrada do índio em cena. Nenhum filme exigiu tanta preparação de Woo. Ele viu dezenas de filmes e documentários de época. Explica que a batalha de Saipan foi a mais sangrenta do front do Pacífico. "As pessoas acham que foram Guadalcanal e Salomão, mas foi Saipan, onde, além da resistência encarniçada dos japoneses, ocorreram trágicos erros das forças americanas, que dispararam sobre os próprios companheiros." Ele queria que o filme fosse o mais realista possível. Teve problemas por isso. Logo após o fatídico 11 de setembro, Códigos de Guerra foi considerado muito violento e a Fox segurou durante algum tempo o lançamento, com medo de ferir a suscetibilidade do público americano, traumatizado pela explosão de violência dentro de casa. Música - Para dar sustentação dramática à história, Woo diz que foi preciso dedicar atenção especial ao roteiro. "O desenho dos personagens tinha de ser muito forte para projetar o público no horror da guerra." Mas só isso não bastaria: era preciso também a veracidade do décor. "O personagem mais o cenário fazem a força de um filme", explica o diretor. Não admira por que publicações como Cahiers du Cinéma consideram John Woo um grande autor e não apenas um especialista em filmes de ação. Qualquer idéia sobre o homem no mundo só pode surgir, no cinema, a partir da relação entre o ator e o cenário. O plano, que estabelece essa ligação, é a unidade básica do cinema. Mas, para ordenar as imagens no inconsciente do público, é preciso a montagem. "Meu diretor de fotografia diz que minha regra número 1 é: o filme tem de estar sempre em movimento. Acho que é verdade, mas esse movimento tem de estar ligado à emoção, também." Por isso mesmo, Woo, que chega a usar dez câmeras para intensificar o movimento nas cenas de ação, interferiu no roteiro para ajustá-lo às suas intenções. O personagem do índio, que se sente americano e arrisca a vida como voluntário, é alvo das piadas racistas dos companheiros de pelotão. Ele tem um amigo, também índio, e esse outro está aos cuidados de Christian Slater. Ao contrário de Cage, Slater estabelece uma relação mais calorosa com o índio a quem deve proteger e, eventualmente, matar. Essa ligação passa pela música. Não, Woo não viu Amargo Pesadelo, de John Boorman, embora seu filme pareça repetir o clássico duelo de banjos daquele cult dos anos 1970. Slater toca a harmônica, o índio toca na flauta uma canção de uma tristeza de cortar o coração. "Foi uma idéia minha", admite Woo. "Achei que a música seria um excelente instrumento para humanizar esses personagens e também para projetar o público em outra cultura." Felizmente, o compositor James Horner percebeu a intenção e encampou a idéia do diretor. Woo conta que filma para isso: para conhecer ele próprio e para fazer com que o público conheça outros mundos, outras culturas. Foi por isso que, ao chegar a Hollywood, se separou de seu ator preferido: Chow Yun-fat, astro de seus thrillers feitos em Hong Kong. "Precisava me tornar conhecido nos EUA, fazer um novo círculo de amizades e colaboradores." Christian Slater, John Travolta, Nicolas Cage e Tom Cruise deram todo apoio ao diretor em filmes como A Última Ameaça, A Outra Face e Missão Impossível 2. Agora, já estabelecido, Woo anuncia que vai voltar a filmar com Yun-fat. "Meu próximo filme conta a história de irlandeses e chineses que construíram uma ferrovia nos EUA, no século 19, enfrentando todo tipo de perigo. Estou muito contente de voltar a trabalhar com Chow; é um amigo querido e um ator que admiro muito." Aproveita para elogiar Nicolas Cage: "Alguns críticos dizem que ele é um ator de uma só expressão, mas na verdade ele é herdeiro dos grandes astros do passado: Gary Cooper, John Wayne, que os críticos também diziam que tinham só uma expressão." Destaca o apoio que sempre recebeu de Cage. E fala sobre o Brasil, sobre o Rio que conheceu por meio de Ronaldo. "É uma paisagem muito bonita e um povo cheio de alegria. Tive oportunidade de conhecer pessoas e lugares muito interessantes. Seria fascinante construir uma história para mostrar tudo isso na tela, até porque o Brasil é uma terra de contrastes. Tem muita miséria, muitos problemas sociais e isso leva, forçosamente, à violência." Para Woo, o importante não é só provar sua destreza como diretor de ação. É, cada vez mais, dar credibilidade às histórias, falar sobre gente. Ele reconhece que, durante boa parte da narrativa de Códigos de Guerra, os japoneses são demonizados e tratados como os índios no western - fazem parte do cenário. Contra isso, construiu a cena da aldeia, que mostra a relação de Cage e de outro soldado com as crianças. "Espero ter passado compaixão; sem compaixão, não há arte", diz. No final, o filme faz o caminho inverso ao do começo e volta ao céu, isto é, a Monument Valley, na bela cerimônia indígena. Fiel ao seu projeto de expor a diversidade, Woo critica os padres - os personagens de Cage e Adam Beach tiveram problemas com eles, na escola -, mas se o filme volta ao céu é por um motivo simples. Woo pode respeitar a diversidade, mas é cristão. De forma mais precisa, informa: "Sou católico."

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