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Isenção do diretor prejudica filme

Beto Brant era melhor quando achava que valia a pena acreditar em alguma coisa

Por Agencia Estado
Atualização:

Em filmes como Os Matadores e Ação entre Amigos, Beto Brant revelou-se um dos diretores mais talentosos de sua geração. É, inegavelmente, um narrador hábil. O primeiro é melhor do que o segundo, mas Ação entre Amigos destaca-se por sua visão que não pretende ser apaziguadora sobre a guerrilha. Beto confirma suas qualidades de narrador em O Invasor, rodado em 16 mm, finalizado em HDTV, o que lhe dá uma textura particular, e enriquecido pela trilha à base de rap. Por mais qualidades audiovisuais que possa ter (e tem), O Invasor é um tanto decepcionante. Nos filmes anteriores, Beto foi sempre um diretor que tomou partido. Em Ação entre Amigos, por exemplo, ao contrário de Bruno Barreto, que quis olhar a guerrilha com isenção em O Que É Isso, Companheiro? e terminou absolvendo os torturadores de seus crimes, Beto optou, com todos os riscos que isso implicava, em ficar do lado dos guerrilheiros. Pois agora o que incomoda em O Invasor é a inesperada isenção do diretor. Seu filme põe na tela o caos social e o clima de degradação moral do Brasil atual, mas o faz de fora, sem causar no espectador o estupor que poderia tornar a obra relevante, do ponto de vista artístico e social. O invasor do título, no sentido mais óbvio, é o personagem interpretado pelo titã Paulo Miklos. Talvez não seja. A verdadeira idéia, aqui, é de um Brasil invadido pela corrupção, pela violência e pela dubiedade que, no fundo, mal encobre a falta de moral. Anísio representa a periferia que invade o centro. Deveria ser subversivo, mas do jeito que o diretor o mostra - e Paulo Miklos o interpreta - é tudo, menos um personagem capaz de suscitar a simpatia do espectador. Os personagens do poder econômico são piores ainda. Respiram a corrupção econômica e moral que, segundo o diretor, consome o País. Diante dessa visão tão negativa - ninguém presta - o espectador fica sem centro. Pode parecer irrelevante, mas é um problema. No escurinho do cinema, estabelece-se um mecanismo de projeção e identificação que é, no fundo, o que nos leva a participar, seja pela emoção ou pela razão, no universo do filme. Se o espectador não sente a mínima vontade de identificar-se com ninguém, a coisa anda mal. Os personagens podres de O Invasor podiam matar-se logo na primeira cena. Não teríamos o filme, é verdade, mas também não ficaríamos durante quase duas horas à mercê dessas figuras que não inspiram nada. Alexandre Borges põe nariz postiço de porquinho e conta histórias infantis para a filha, mas isso não humaniza seu personagem. A covardia do de Marco Ricca, seu sentimento de culpa, não tem nada a ver com uma consciência que deveria ser trágica. E quando Ricca surta, o exagero da interpretação é evidente. Simpatia, portanto, esses personagens não despertam. Compaixão, muito menos. Se os homens não prestam, as mulheres prestam menos ainda - e as personagens de Malu Mader e Mariana Ximenes, uma na sua falsidade (em todos os sentidos), outra na ausência absoluta de valores que a transforma numa caricatura, seriam simplesmente risíveis se não fossem trágicas. Mariana, por sinal, talvez seja a personagem-chave no roteiro de Marçal Aquino, Renato Ciasca e do próprio Beto. Representa a alienação de uma juventude destituída de ideais e à qual parece não restar outra alternativa senão o imediatismo do prazer (sexual, inclusive). Mariana deveria ser a personagem mais dramática de O Invasor. O desfecho para a jovem que representa sugere um Brasil suicida e sem solução. Não é culpa da atriz, mas a personagem não possui a mínima nuance. Quando faz a invasão no sentido inverso, acompanhando Anísio na periferia, não interage de maneira alguma com o cenário. Sua cena com Anísio à beira da piscina, quando discutem o azul, evoca a boçalidade do Bandido da Luz Vermelha, mas sem a dimensão que Rogério Sganzerla imprimiu ao seu clássico do udigrúdi nacional. O próprio romance entre Mariana e Miklos, ou entre a ninfeta e Anísio, parece uma retomada de Terror e Êxtase, de Antônio Calmon, nos anos 80, que Beto talvez nem tenha visto. Sua demonstração do caos moral e social do País é convincente como exposição do fim do mundo, mas Beto fica só nisso, o que todo mundo sabe (ou acha que sabe), afinal. Ele era melhor quando achava que valia a pena acreditar em alguma coisa.

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