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Irmãos Dardennes defendem engajamento

Os diretores de Rosetta, ganhador da Palma de Ouro há três anos, e de O Filho, concorrendo agora, dizem que fazem cinema "para discutir os problemas do mundo"

Por Agencia Estado
Atualização:

Há três anos o júri presidido por David Cronenberg provocou sensação ao atribuir a Palma de Ouro a um filme de dois irmãos belgas, Jean-Pierre e Luc Dardenne. Cronenberg aproveitou a coletiva de imprensa de Spider, filme com o qual concorre este ano, para revelar que Rosetta foi escolhido por unanimidade pelos jurados, em 1999. Os irmãos Dardenne estão de novo na competição com Le Fils (O Filho). Se o júri agora presidido por David Lynch fizer a coisa certa, poderão ganhar sua segunda palma. Os Dardennes conversam com o repórter no Grand Hotel. Não mais a sala fechada onde houve o encontro com Alexander Sokurov. A entrevista ocorre ao ar livre, no jardim em frente ao hotel. Explicam o porque de filmes tão engajados, socialmente: "O cinema tem de estar ancorado na realidade política e social, fazemos cinema para discutir os problemas do mundo." Em Rosetta, era a história da dura luta pela sobrevivência de uma garota com pouca escolaridade e também sem muitos escrúpulos para fazer não importa o quê. Os Dardennes sabem que existem muitas Rosettas por aí. Jean-Luc não as culpa: "É duro sobreviver numa sociedade que não se preocupa com a sorte dos mais fracos." Luc acrescenta: "Isso ocorre quando os valores morais são substituídos pelos econômicos." Eles começaram no documentário, passaram para a ficção sem desistir de um tipo de filme engajado e militante. Tanto em Rosetta quanto em O Filho, falam de personagens que pertencem, até quando excluídos, ao meio operário. O protagonista de O Filho é um marceneiro que ensina o ofício a garotos com dificuldade de inserção social. Ele se interessa por um adolescente saído da Febem belga. Só bem mais tarde, o espectador descobre a razão desse interesse: o jovem matou o filho do protagonista. O que ele quer fazer, levando essa relação perigosa, pergunta a ex-mulher. O personagem principal, interpretado por Olivier Gourmet, responde: "Não sei." Não é um filme feito de respostas. Estrutura-se mais sobre interrogações e o final inconclusivo foi criticado pela Variety, que expressa, aqui em Cannes, por meio de uma publicação diária, o ponto de vista da indústria sobre os filmes que integram a programação. Os Dardennes se explicam: "Seria muito fácil para nós encontrar uma conclusão para o drama; o importante é transferi-la para o espectador, de forma a que ele pense e, dessa forma, participe do processo criativo." São três anos desde que Rosetta ganhou a palma. "Acreditamos que seja o prazo necessário para fazer a divulgação do filme anterior, escrever o roteiro e buscar o financiamento, tudo isso sem abrir mão de nossas vidas e de uma atividade que muito nos satisfaz: ensinamos cinema na Bélgica." Na verdade, Jean-Pierre parou um pouco com seus cursos, mas Luc continua lecionando roteiro na Universidade de Bruxelas. A construção do filme é rigorosa: câmera colada nos personagens, como se estivessem sendo examinados ao microscópio. "É uma boa definição para o que fazemos", dizem. Não por acaso, Ken Loach os adora. Os Dardennes retribuem. Como o diretor inglês, gostam de misturar atores profissionais (Olivier Goumet) com amadores. "O relato fica mais autêntico." O repórter insinua uma interpretação para O Filho: paixão e compaixão. "Sem paixão não se faz o cinema no qual acreditamos e sem compaixão não existe arte", sentenciam Jean-Pierre e Luc.

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