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Irmãos Coen revisitam o universo noir em novo filme

Estrelado por Billy Bob Thornton, O Homem Que não Estava lá é o filme mais intrigante da dupla desde Fargo. Entra em cartaz nesta sexta

Por Agencia Estado
Atualização:

Havia elementos de cinema noir em Gosto de Sangue e Ajuste Final. O primeiro longa dos irmãos Coen (produzido por Ethan, dirigido por Joel e escrito por ambos) era um suspense hiperbólico sobre um assassino que tenta se livrar de sua vítima sem saber que ela ainda está viva. O filme conseguia ser enervante sem deixar de ser engraçado. Ajuste Final é um thriller labiríntico que desafia qualquer tentativa de compreensão da trama. Você a apreende no geral e chega. O noir estava lá, em um como no outro. Mas não eram autênticos exemplares de cinema noir. O Homem Que não Estava lá, novo filme da dupla, possui todos os arquétipos e códigos do gênero, mas também não é um noir legítimo. É o noir que Barton Fink escreveria, se não fosse só uma criação ficcional dos famosos irmãos (em Delírios de Hollywood). O Homem Que não Estava lá integrou a mostra competitiva do Festival de Cannes do ano passado. Não recebeu prêmio nenhum. Merecia no mínimo o Prêmio Superior da Comissão Técnica de Cinema para a sua fotografia, um deslumbrante trabalho em preto-e-branco (que dá a impressão de ter sido rodado em cores antes de ser passado para PB, um processo que pode ser raro mas não é inédito). As imagens são primorosas, os atores são perfeitos. Billy Bob Thornton faz o protagonista. É barbeiro, descobre a infidelidade da mulher e comete um assassinato, numa trama que envolve chantagem. A mulher (Frances McDormand, casada com Joel Coen na vida) é acusada, vai a julgamento. Há tantas reviravoltas na história que, acredite, não tira a graça saber o que foi contado até aqui. Os Coens consagraram-se no time dos cineastas independentes surgidos em Hollywood nos anos 80 e 90. Possuem sólida formação clássica. Barton Fink - Delírios de Hollywood situa-se nos limites de Fausto, sem deixar de ser kafkiano como expressão do absurdo que ronda a atividade de um roteirista de cinema nos anos 40. E aí Meu Irmão, Cadê Você?, com o qual os Coens concorreram em Cannes em 2000 (e também não ganharam nada), bebe muito livremente na fonte de Homero e é uma variação do tema da Odisséia. O Homem Que não Estava lá reincide em Kafka. A situação do herói é absurda, a do espectador também. Trata-se de um desses raros filmes que não se esgotam a uma primeira visão. Você pode ver (e rever) e vai sempre descobrir coisas novas, porque Ethan e Joel (como roteiristas) e Joel (como diretor) dispõem de um arsenal não de truques, mas de enigmas que tornam a narrativa complexa. Há muitas cenas de espelhos em O Homem Que não Estava lá. Expressam um tema caro ao cinema noir, que não precisa só do clima sombrio para realizar-se como expressão do gênero (que especialistas como A.C. Gomes de Matos preferem definir como estilo de cinema). Não há noir sem homens enganados por mulheres fatais nem homens e mulheres enganados pelas aparências. Esse jogo de aparências é constantemente subvertido em O Homem Que não Estava lá. A narrativa toma rumos inesperados, muda o tom e o ponto de vista para voltar no fim ao ponto de vista do narrador que marcha para... Veja O Homem Que não Estava lá para saber do que se trata. Quem viu Ajuste Final com certeza se lembra de que não havia, naquele filme, um só personagem de boa índole. Todos usavam os golpes mais baixos para defender seus interesses. Os personagens deste filme também são assim, com exceção de Frances acusada pelo crime que não cometeu. A garota que toca a sonata de Beethoven, que Thornton imagina que será sua salvação, o surpreende com um gesto totalmente inesperado, que marca a última virada da narrativa. O mundo, segundo os Coens, é basicamente corrupto e essa é outra característica do universo noir, cujas regras O Homem Que não Estava lá segue apenas para exercitar o prazer de subvertê-las. O filme não é, como Barton Fink, um hui clos nascido de um delírio paranóico. Mas não deixa de ser o hui clos que poderia ter nascido da mente paranóica de Barton Fink. É o filme mais intrigante (o melhor) dos irmãos Coen desde Fargo. Mas vá preparado: para desfrutar a diversão que "O Homem Que não Estava lá" oferece, você precisará fazer o que a produção corrente de Hollywood não tem por hábito exigir do espectador. Terá de pensar. O Homem Que não Estava lá (The Man Who Wasn´t there). Drama. Direção de Joel Coen. Duração: 112 minutos. 14 anos.

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