<i>Ó, Paí, Ó</i> tem primeira pré-estréia nesta quarta

Com atores nascidos e criados na Bahia, novo filme de Monique Gardenberg que deve estrear no dia 30 põe em foco uma ocupação urbana de Salvador

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Por Agencia Estado
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Irritada com a festa barulhenta em seu bar, Neuzão (Tânia Tôko) encerra a música e dispara, em bom baianês: "Não se pode dar ousadia a vocês, que vocês se espalham!". A frase é a tônica do novo filme da diretora Monique Gardenberg, Ó Paí, Ó, que tem a primeira pré-estréia nesta quarta-feira, na Concha Acústica do Teatro Castro Alves, em Salvador. A data prevista de estréia é dia 30 de março. Segundo Monique, aliás, o desabafo da dona do bar não só se aplica aos personagens da obra - que lutam, no dia-a-dia, para ocupar as arestas deixadas pela sociedade e pelo poder público -, como também ao processo de filmagem. "É minha obra mais libertária", conta a diretora, conhecida pelo apuro técnico com que trata seus trabalhos, tanto no cinema (já dirigiu os longas Jenipapo e Benjamim), quanto no teatro (Os Sete Afluentes do Rio Ota) e em shows e eventos musicais, como o TIM Festival. "O filme não tinha storyboard... Muitas das falas e das cenas foram desenhadas nas filmagens e os atores tinham permissão para improvisar e sugerir diálogos." O resultado é um mosaico em forma de musical, que põe em foco uma comunidade de 17 pessoas, que ocuparam um edifício abandonado do bairro histórico do Pelourinho. O recorte usado pela obra é a terça-feira de carnaval e a luta dos personagens para se divertir e conseguir alguns trocados durante a folia. Divertida e sem preocupação com o politicamente correto, a obra foi rodada em três semanas e meia - uma delas em pleno carnaval baiano -, ao custo de pouco mais de R$ 3 milhões. Os personagens são pessoas que não aparecem nos noticiários - a não ser quando são presos ou mortos - e vivem de subempregos, bicos e pequenas contravenções. Dona Joana Se algum personagem se sobressai é dona Joana (Luciana Souza) e seus dois filhos, Cosme e Damião (Vinícius Nascimento e Felipe Fernandes, descobertos em testes). Joana, evangélica abandonada pelo marido, se reclama síndica da comunidade e comete arbitrariedades como cortar o fornecimento de água do prédio por estar aborrecida com os moradores. Nos cultos, é ensinada a odiar carnaval e candomblé. Os dois filhos pequenos pedem esmolas e praticam pequenos roubos. Tudo longe dos olhos da mãe, que imagina que eles saem de casa para freqüentar os cultos religiosos. Quem não está habituado com o panorama pode imaginar que alguns personagens são caricatos demais. Quem conhece o Pelourinho, porém, sabe que eles existem - e que seu jeito de ser está próximo do real, tanto nas formas de se vestir e falar quanto na irreverência e na sensualidade que carregam. Em uma passagem, a cliente pede pressa a uma quituteira na elaboração de um acarajé. A baiana, de pronto, responde: "Aqui não é o McDonald´s, não." Para se aproximar da realidade, a baiana Monique optou por atores nascidos e criados no Estado. Estão lá, por exemplo, Lázaro Ramos, Wagner Moura e vários do Bando de Teatro do Olodum, grupo de atores negros com o qual a diretora já havia trabalhado - em Jenipapo - e que revelou, entre outros, o próprio Lázaro Ramos para o Brasil. "Enquanto construía os diálogos, lembrava das minhas tias conversando", conta a diretora. Também participam do elenco a paraense Dira Paes e o capixaba Stênio Garcia, entre outros. Baianidade O nome do filme também faz questão de marcar tal baianidade. A expressão "ó paí, ó", contração de "olha para aí, olha", é muito usada pelos habitantes para chamar a atenção a algo - em geral, ruim ou engraçado. "O filme chama a atenção para uma situação triste, por isso o nome", conta Monique. "Está na hora de a gente olhar para o povo da gente, que precisa ter uma chance de viver com mais dignidade", prega. A idéia de fazer o filme veio em 1997, quando assistiu, na capital baiana, a uma peça homônima, feita pelo grupo teatral do Olodum. "Estava procurando atores para o Jenipapo e gostei tanto da peça que acabei assistindo cinco vezes", lembra. "Outros projetos surgiram na frente, porém, e acabei tendo de adiar a realização." A diretora só retomou a idéia em 2005, depois de passar dois meses na Bahia e de vislumbrar a possibilidade de viabilizá-la financeiramente. "Quando isso aconteceu, corri para fazer um roteiro em dois meses", conta. O roteiro para cinema não é muito fiel à peça que o originou - os meninos Cosme e Damião, por exemplo, não existiam na versão para o teatro. "Meu desafio era manter a mesma vibração da peça na tela, sem ser algo teatral - e acho que consegui." Para fazer o texto em tão pouco tempo, Monique foi para uma fazenda e cercou-se de CDs de músicas que fazem sucesso na periferia soteropolitana. Muitas estão no filme: do reggae de Edson Gomes aos hits da Banda Calypso - passando, claro, por muita axé music. "As músicas ajudaram na montagem da trilha sonora e também na construção dos personagens." Depois da exibição de hoje, muitos dos intérpretes das músicas presentes na obra fazem show, que terá como cicerones os cantores e compositores Caetano Veloso e Jauperi, que interpretam a música-tema do filme, de mesmo nome. O próximo passo de Ó Paí, Ó pode estar na TV. A Rede Globo negocia a produção de uma série baseada no longa, a ser filmada em Salvador. A idéia foi do diretor Guel Arraes. "Depois que finalizamos a obra, deu vontade mesmo de contar um pouco mais a história daquelas pessoas", diz Monique. "É difícil mostrar a vida de tantos personagens em pouco mais de 90 minutos."

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