‘Ilusões Perdidas’ lança olhar contemporâneo para drama sobre ambição e decadência

Filme livremente inspirado em obra de Balzac mostra jovem poeta sendo tragado pela lei do lucro e da manipulação

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Em 2007, Jacques Rivette fez o talvez mais belo de seus filmes – sua obra-prima definitiva e o grande filme francês daquela década –, mas Não Toque no Machado, adaptado de Honoré de Balzac (A Duquesa de Langeais) e interpretado por Guillaume Dépardieu e Jeanne Balibar, teve uma repercussão limitada. Parecia um filme fora de época. Jeanne Balibar faz agora a ligação com outra adaptação de Balzac, Ilusões Perdidas, em cartaz no cinema, depois de passar feito um furacão pelo César, o Oscar francês, vencendo seis estatuetas, incluindo as de melhor filme, roteiro, ator revelação (Benjamin Voisin) e coadjuvante (Vincent Lacoste). Rivette deveria ter recebido essa consagração há 15 anos, mas isso não significa que o reconhecimento a Illusions Perdues não seja merecido. É um grandíssimo filme de Xavier Giannoli.  Balzac, com suas cenas da província e da vida parisiense que compõem A Comédia Humana, fez de Lucien de Rubempré, protagonista desse romance em particular, um de seus personagens emblemáticos. O jovem talentoso, mas não bem-nascido, que deixa o interior em busca das luzes de Paris, adquire uma inesperada notoriedade e termina envolvido nas cruéis manipulações pecuniárias e políticas da aristocracia. Giannoli fez sua adaptação de época com um olhar contemporâneo, buscando a ressonância das ilusões perdidas de seu Lucien/Voisin em relação ao mundo atual. 

Benjamin Voisin e Vincent lacoste são o ingênuo Lucien de Rubempé e o ardiloso Étienne Lousteau Foto: Roger Arpajou/Curiosa Films

Giannoli era jovem, como Lucien, quando descobriu o livro. Estudava Letras e até onde se lembra, ao optar pelo cinema, guardava essa vontade de (re)contar a história do garoto ingênuo que se deixa deslumbrar pela corte. A perda das ilusões é um processo muito íntimo, doloroso, mas dois outros temas estão emaranhados no filme, como no livro. As fake news não são uma invenção recente e o quarto poder – a imprensa – pode ser abusivo e corrupto mesmo quando afirma estar agindo em nome da verdade. Jacques Fieschi, que coassina o roteiro, tem sido parceiro de Giannoli e de Nicole Garcia na escrita de seus filmes. Fieschi e Giannoli mantêm a estrutura básica mas a expandem rumo à modernidade, ou atualidade.  Apaixonado por Louise de Bargeton/Cécile de France, a quem dedica poemas na província, Lucien a segue em Paris, quando o marido descobre o envolvimento de ambos. Seu duplo sonho é acrescentar um perfume de nobreza (Rubempré) ao nome e ser reconhecido como autor. Vira crítico, e ferino, mas não percebe como é manipulado pelo mentor, o ardiloso Lousteau/Lacoste, e principalmente pela pérfida marquesa D’Espard, que comanda os jogos de salão. 

Jeanne Balibar é magnífica no papel, num registro diverso da duquesa de Langeais. Cheio de reviravoltas, o volumoso romance é condensado num filme de duas horas e meia. Daria uma série, ou minissérie, mas Giannoli conseguiu o prodígio de manter a estrutura romanesca num relato mais enxuto. É para quem gosta de filmes caudalosos. Só para lembrar, Giannoli é o diretor de Marguerite, com Catherine Frot, que depois foi refilmado por Stephen Frears com Meryl Streep Florence: Quem É Essa Mulher? –, mas a versão dele é melhor. 

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