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<i>Irina Palm</i> traz Marianne Faithfull em ótima forma

Filme de Sam Garbaski, que promete ser o sucesso do Festival de Cinema de Berlim, mostra mulher que se tornou ícone dos anos 60, Marianne Faithfull, em ótima forma

Por Agencia Estado
Atualização:

Julio Chávez perdeu a conexão em algum ponto no trajeto entre Buenos Aires e Berlim e não conseguiu chegar a tempo da coletiva de El Otro, filme argentino de Ariel Rotter que participa da disputa pelo Urso de Ouro. Marianne Faithfull veio - e com o filme mais desconcertante deste festival (e que se arrisca a virar também seu maior sucesso de público). Irina Palm, de Sam Garbaski, teve aplausos em cena aberta durante quase toda a projeção. No final, ouviram-se algumas vaias, soterradas pela avalanche de aplausos. O que parecia difícil, senão impossível, aconteceu - Marianne é quase tão boa ou até melhor do que Marion Cotillard, a impressionante Edith Piaf de La Môme, exibido no primeiro dia da Berlinale. Ainda existem importantes concorrentes chegando, mas é possível que a terça-feira entre para os anais do Festival de Berlim de 2007 como o dia em que foram projetados, em seqüência, os filmes com o melhor ator e a melhor atriz. Julio Chávez está excepcional em El Otro, mas na verdade ele já era em El Custodio, de Rodrigo Moreno, exibido há dois anos aqui em Berlim. O filme de Ariel Rotter não pertence à vertente das histórias humanas que pontuam o cinema argentino. Grande ator Apesar de todas as diferenças, está mais próximo do universo de metáforas e símbolos de Lucrecia Martel. O diretor disse algo importante - que seu filme, pelo tipo de jornada interior vivida pelo protagonista, poderia ser sobre um homem sentado, pensando. Seu desafio, ele disse, foi transformar o pensamento em ação. A cumplicidade do ator foi fundamental. Quem viu El Custodio, que no Brasil se chamou O Guarda-Costas, deve lembrar-se da economia de gestos (e diálogos) com que Chávez criava seu personagem. Ele é talvez o ator mais justo, no sentido de exato, do cinema argentino. Não há nada supérfluo na sua presença na tela. A história, ou a jornada interior, é deste homem que tem um velho pai cujas condições físicas estão se deteriorando e que vai ter um filho. Ariel Rotter fez um filme sobre o tempo que passa e as mudanças que opera no corpo. Chávez vive uma crise de identidade e, num impulso, registra-se em hotéis com nomes falsos. Uma hora ele descobre que o homem cujo nome adotou morreu e está sendo velado Ele vai à capela e tem a antecipação da própria morte. Em outra apresenta-se como médico - e tem de atender a uma emergência. Irina Palm Existem ecos de Pirandello, Cortázar e Antonioni (O Passageiro: Profissão Repórter), mas Ariel Rotter minimiza essas influências porque sua grande referência é a poesia de Fernando Pessoa, com seus heterônimos. Na sessão seguinte à de El Otro, Marianne Faithfull entrou em cena com outra história de família. Marianne é um mito dos anos 60, os anos que mudaram tudo. Com quantos anos ela deve estar hoje, uns 70? Não importa a idade, ela continua transgressora. Irina Palm conta a história dessa mulher cujo neto está no hospital. A chance de sobrevivência do garoto está ligada a um tratamento em outro lugar. O filho de Marianne, o pai da criança, não tem dinheiro. A mulher, que revela uma tensão com a sogra, também não sabe de onde poderá tirar o dinheiro. Marianne vai à luta. Em busca de um emprego, ela vai parar num lugar que pede "hostesses" e aí ela descobre que se trata de um eufemismo para "whore" (prostituta). Mas Marianne tem essas mãos aveludadas que chamam a atenção do dono do negócio. Satisfação garantida, sua habilidade a transforma num sucesso com os clientes e surge sua transformação na Irina Palm do título, por quem fazem fila os freqüentadores da loja de sexo. Claro que ocorrem coisas engraçadas (e outras nem tanto), primeiro no processo de adaptação da heroína madura à função, depois no envolvimento de Irina com o dono da firma e, finalmente, quando o filho descobre tudo. Marianne nunca é menos que perfeita. Uma velha dama indigna - sua arte consiste na forma impudente como ela desempenha a função. O filme poderia ser sórdido, chocante. Não é. É o tipo do tema que agrada ao presidente do júri, Paul Schrader, que dirigiu O Submundo do Sexo, com George C. Scott no papel de um homem que procura a filha que se perdeu, como diria Plínio Marcos, nas quebradas da vida.

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