<i>Baixio das Bestas</i> deixa a platéia de Brasília perplexa

Filme de Cláudio Assis fala de brutalidade contra a mulher na zona rural de PE

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Por Agencia Estado
Atualização:

Como reagir diante de um filme tão violento quanto sedutor? Talvez com a perplexidade. E foi assim que o público do Cine Brasília respondeu a Baixio das Bestas, novo longa do diretor Cláudio Assis, vencedor aqui mesmo em Brasília com seu trabalho anterior, Amarelo Manga. O público aplaudiu, mas não muito, e mesmo entre jornalistas, tão prontos a emitirem juízos, considerou-se normal guardar a opinião para o dia seguinte, quando a experiência já tivesse sido metabolizada. Uma cineasta e produtora da cidade foi vista com lágrimas nos olhos, de indignação, ao relembrar dos maus-tratos a que são submetidas as mulheres em Baixio das Bestas. Mas de que trata afinal, essa obra tão polêmica? Trata de uma localidade decadente, encravada na Zona da Mata, em Pernambuco. Não por acaso, o começo traz cenas documentais de um engenho destruído. Em off, as palavras já usadas por Walter Lima Jr. em seu Menino de Engenho: "O tempo vai consumir os engenhos, as usinas, a mim, a você." O texto e as imagens são claros - o filme fala da decadência e da morte. Num corte, passa-se dos engenhos para a imagem sombria de um homem desnudando uma menina para que ela seja vista e apalpada por um grupo de voyeurs. Estamos na decadência e também na sexualidade mais atroz. Depois entram em cena prostitutas (interpretadas por Marcélia Cartaxo, Dira Paes e Hermila Guedes), brutalizadas por agroboys de índole patife (Matheus Nachtergaele e Caio Blat). A câmera e a fotografia (Lula Carvalho e Walter Carvalho, filho e pai) são de um rigor e uma elegância raras. Mas não se pode dizer que estetizem a violência. Apenas dão a ela uma linguagem, que não é a da espetacularização. E, por isso mesmo, a violência de Baixio choca. De qualquer forma, em Baixio, Cláudio Assis resolveu colocar a nu (literalmente) a violência entranhada na sociedade brasileira. Para quem acredita no mito do homem cordial (má leitura de Sérgio Buarque de Holanda), o filme é um soco no estômago. Do ponto de vista da narrativa cinematográfica, é o que houve de mais avançado até agora no festival de Brasília. Assis é um tipo raro de diretor no universo do cinema brasileiro contemporâneo. Ele, Lírio Ferreira, Edgard Navarro, Paulo Caldas, Beto Brant e poucos outros filmam por absoluta necessidade de se expressar, como quem lanceta um tumor para obter alívio. E, dessa trupe, Assis é o mais radical. Uma vez ele disse a respeito de Amarelo Manga: "Filmei porque doía." Pelo visto, continua doendo. À noite, o festival se encerra com a apresentação fora de concurso de Hércules 56, de Silvio Da-Rin, documentário sobre a ditadura. E quanto aos prêmios? Parece que o júri deste ano terá uma trabalheira danada. Isso porque o nível médio dos filmes é alto. No modo de entender deste crítico, Baixio das Bestas e Batismo de Sangue, com propostas estéticas opostas, são igualmente dignos de prêmio. Os documentários também apresentaram excelente nível, podendo se candidatar a prêmios e mesmo ao prêmio principal. Isso tudo com a ressalva de que, até o fechamento desta edição, ainda não havia sido exibido o último concorrente, o documentário Encontro com Milton Santos, de Silvio Tendler. Pode-se, portanto, prever uma decisão dividida do júri: terá de optar por algum dos filmes (a não ser que divida o prêmio principal, o que já ocorreu) e vai distribuir os outros troféus restantes entre os demais concorrentes para que ninguém saia de mãos abanando. É o preço a pagar por uma seleção feita de maneira tão competente.

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