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<i>A Caminho de Guantánamo</i> invade as telonas

Michael Winterbottom provoca com seu longa ousado, premiado em Berlim

Por Agencia Estado
Atualização:

Michael Winterbottom soube da história ao ler no The Guardian, importante jornal de Londres. Um jovem paquistanês, que vivia na Inglaterra e deveria se casar com uma noiva prometida na terra de seus pais, marcou encontro com três amigos no Afeganistão. Dali seguiriam para Faisalabad, para o casamento. Quando começaram os bombardeios americanos no Afeganistão, um deles sumiu (foi morto?) e os três restantes, incluindo Asif Iqbal, o noivo, foram levados para a base de Guantánamo, em Cuba, onde o governo do presidente George W. Bush isola suspeitos de terrorismo, após o 11 de Setembro. ?Mesmo se eles fossem culpados, seria uma aberração jurídica?, disse Winterbottom, em Berlim, em fevereiro, onde A Caminho de Guantánamo integrou a competição (e ganhou o Urso de Prata de melhor direção). O filme tem um co-diretor, Mat Whitecross, que foi o montador de Nove Canções. Fica até difícil dizer qual é o número que Nove Canções ocupa na obra de Michael Winterbottom. Não há diretor mais prolífico no cinema atual. Em pouco mais de dez anos, seu currículo contabiliza uns 15 filmes e, a esta altura, não é difícil imaginar que mais um ou dois já tenham sido feitos por Winterbottom. Ele não se acha prolífico. Diz que as novas tenologias permitem a qualquer um filmar tanto quanto ele. ?O que não dá é para ficar montando projetos caros, que vão exigir grandes investidores. Além de demorar muito para dar o sinal verde, eles vão querer segurança, retorno do investimento. Ou seja, além de demorados, os filmes ficam mais conservadores.? Ao longo de sua carreira, Winterbottom tem feito ficções que integram elementos documentais. Mas ele acha problemático fazer filmes a partir de fatos e personagens reais, como A Caminho de Guantánamo. ?Gosto de improvisar e de incorporar o que ocorre no set ao filme acabado, e isso raramente é possível nesses casos.? Quando leu a história dos paquistaneses no inferno de Guantánamo, os três, Shafiq, Ruhel e Asif, estavam prestes a ser libertados. Winterbottom imediatamente se interessou pelo assunto, mas o trio não aceitou nem conversar com ele. Seis meses depois, mudaram de idéia e o contactaram por meio de seu advogado. ?Fiquei morando um mês com eles e realizei horas de entrevista, que serviram de base para a elaboração do roteiro.? No filme, os três são interpretados por atores, mas Shafiq, Ruhel e Asif foram em pessoa ao Festival de Berlim, para o debate com a imprensa mundial, após a exibição do filme. De volta à Inglaterra, foram detidos para interrogatório. Na entrevista que deu ao repórter do Estado, Winterbottom já havia dito que os três podem ter sido libertados de Guantánamo, mas continuam sendo discriminados. ?Há uma união Inglaterra/EUA contra os islâmicos, que são sempre culpados, mesmo com prova em contrário. Para todos os efeitos, a suspeita de terrorismo continua pesando sobre Asif.? No filme, como na realidade, a suspeita baseia-se no fato de que estavam num ônibus, com outros paquistaneses, e os interrogadores americanos afirmaram ter visto fotos deles com seguidores ou integrantes da família Bin Laden. Daí a serem acusados de terrorismo (e enviados para Guantánamo) foi um passo. Se você se lembrar de Fahrenheit 11 de Setembro, por mais que Michael Moore possa ser acusado de parcialidade e manipulação, ele prova, por A mais B, a ligação da família Bush com a família Bin Laden - e que o presidente autorizou a saída de integrantes da família de Osama dos EUA, ao mesmo tempo que iniciava a caçada a suspeitos de terrorismo como os personagens de A Caminho de Guantánamo. Winterbottom tem um método, muito mais que um estilo. Ele gosta de fazer filmes bem diferentes uns dos outros e, por isso, recusou a oferta de dirigir um drama baseado na história do jovem brasileiro que foi morto pela polícia no metrô de Londres. Logo depois de A Caminho de Guantánamo, ele temia repetir-se, com outra história (real) de injustiça baseada na desconfiança. Winterbottom também não acha que tenha um só público. ?Meus filmes diferem tanto que imagino que tenha um público para cada um deles.? O que os une, além do método, é o desejo de combater a indiferença. ?Faço filmes para provocar?, ele diz. Sua provocação foi aceita pelo júri de Berlim, presidido por Charlotte Rampling. No recente Festival do Rio, a atriz de Os Deuses Malditos, de Luchino Visconti, e O Porteiro da Noite, de Liliana Cavani, explicou o prêmio para Winterbottom e Whitecross dizendo que o cinema que lhe interessa é político e o filme deles honra uma bela tradição do gênero. Caminho para Guantánamo (The Road to Guantánamo, Ing/ 2006, 95 min.) - Drama. Dir. Michael Winterbottom, Mat Whitecross. 14 anos. Cotação: Ótimo

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