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"Homo Sapiens 1900" discute manipulação biológica

Por Agencia Estado
Atualização:

Eugenia - no "Aurélio" você encontra a definição dessa palavra de origem grega (eugenéia). É a ciência que estuda as condições mais propícias à reprodução e melhoramento da raça humana. Em si mesma, não tem nada de negativo, embora certos procedimentos possam colocar questões de ordem moral nestes tempos de clonagem - Peter Cohen, por sinal, não discute o problema a partir dos temas colocados pelo surgimento da ovelha Dolly. A tragédia, ele diz, é quando a eugenia é usada com fins negativos e vira instrumento, por exemplo, para a limpeza racial. É o tema de Cohen no seu novo documentário. Homo Sapiens 1900 estréia hoje, depois de passar na Mostra Internacional do ano passado, na qual ele foi jurado. Ele é um diretor importante. Seu documentário A Arquitetura da Destruição é maravilhoso. Homo Sapiens não é tão bom, enquanto cinema, mas vale prestar atenção ao que o diretor sueco tem a dizer sobre o assunto. Cohen mapeia a eugenia desde o seu surgimento. Mostra como, na Europa e nos Estados Unidos, ela virou sempre ferramenta de trabalho dos racistas, abrigados sob as bandeiras do fascismo e do nazismo. Justamente as bandeiras - Cohen conseguiu garimpar preciosos documentos de época que servem aos seus propósitos. Uma dessas cenas, registrada por um cinegrafista anônimo, registra a feira de Paris, nos anos 30. Se a tivesse ele próprio dirigido, Cohen não conseguiria expressar idéia mais bela de mise-en-scène. Os pavilhões da Alemanha nazista e da União Soviética stalinista ficavam um de frente para o outro. A bandeira com a suástica tremulava em frente das estátuas do homem e da mulher que elevavam bem alto os símbolos do comunismo - a foice e o martelo. O nazismo e o stalinismo são os principais alvos da crítica de Cohen, pelo uso negativo que fizeram da eugenia. Embora por caminhos opostos, ambos os regimes totalitários recorreram à eugenia como forma de criar o novo homem que propunham. Na Alemanha nazista, a limpeza racial passava pelo corpo, buscava a beleza e a perfeição física nos moldes que deveriam construir o super-homem ariano. Na União Soviética de Stalin, a eugenia tinha como foco o cérebro e o intelecto, também com vistas à criação de um novo homem idealizado. Jogando com as informações que acumulou em arquivos, entrevistas e documentos de época, Cohen discute a manipulação biológica como arma para eliminar todos os que não se adaptam ao padrão racial desenvolvido por um ideal fascista de homem. Não é de hoje que o assunto interessa a Cohen. A Arquitetura da Destruição é um registro impressionante da forma como os nazistas usam as artes para manipular as mentes. Com Homo Sapiens, a manipulação ocorre agora no físico. São mostradas as casas que os nazistas criaram para abrigar mulheres que dariam à luz o futuro super-homem. Essas ´chocadeiras´ terminaram criando problemas no próprio seio do nazismo, na medida em que o cruzamento sexual entre machos e fêmeas para a reprodução desse homem ideal entrava em choque com o conceito de família que estava na base do regime. A câmera passeia por imagens da época, mas o que impressiona é o que resta hoje desses monumentos à loucura humana. Há um estranhamento nesses cenários neutros que abrigaram o que não deixa de ser uma tragédia. Mas a imagem verdadeiramente impressionante é a de um velho filme mudo americano em que um médico que propunha a limpeza racial aparece no próprio papel, condenando à morte um bebê que nasceu deformado. É de arrepiar. Homo Sapiens 1900 (Id). Suécia/98. Dur. 85 min. Vitrine, às 16 horas, 17h30, 19 h, 20h30 e 22 h. 14 anos.

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