Homenagem da Academia coroa a extensa carreira de Sophia Loren, estrela de 'Rosa e Momo'

São 60 anos desde que a atriz levou a estatueta pelo longa ‘Duas Mulheres’; ao todo, foram 73 prêmios na carreira

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Por Luiz Zanin Oricchio
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Quase 60 anos depois de receber o Oscar de melhor atriz com Duas Mulheres, Sophia Loren volta a ter destaque em um filme. Desta vez, com Rosa e Momo, dirigido por seu filho Edoardo Ponti, uma narrativa baseada no romance A Vida Pela Frente, de Émile Ajar (pseudônimo de Romain Gary). 

Sophia Loren em sua casa em Genebra, na Suíça Foto: Edoardo Ponti/The New York Times

Sophia interpreta Madame Rosa, uma sobrevivente do Holocausto que toma conta de um menino de rua, Momo (Ibrahima Gueye), que tentara roubá-la. A história, de cunho humanista, já havia sido filmada anteriormente, em 1977, por Moshé Mizrahi, tendo Simone Signoret no papel que agora é de Sophia. O longa, disponível na Netflix, disputa o Oscar deste ano na categoria canção original, com Io Si, escrita e interpretada por Laura Pausini.  Em setembro, na abertura do Museu da Academia, ela será a primeira homenageada com o prêmio Vantage, por sua contribuição ao cinema. Quando levou a estatueta, em 1962, Sophia foi a primeira intérprete premiada por um filme falado em língua estrangeira. Italiano, no caso. Duas Mulheres (La Ciociara) é um drama de guerra dirigido por Vittorio De Sica. A viúva Cesira (Sophia) e sua filha Rosetta (Eleonora Brown) fogem de Roma tentando se refugiar no interior, onde, acreditam, os horrores da guerra ainda não chegaram, ou são menores. No entanto, encontram-se com soldados pelo caminho e são estupradas no interior de uma igreja. O filme é muito forte e a interpretação de Sophia, mais ainda.  Ao receber o prêmio da Academia, ela disse que, até Duas Mulheres, havia sido apenas uma boa intérprete. A partir desse filme, transformou-se em atriz de verdade. Para fazer o papel, aceitou apresentar-se totalmente desglamourizada. Desgrenhada, com a roupa rasgada, suja, sem maquiagem, em composição adequada para uma personagem que tenta simplesmente sobreviver, junto com sua filha, em uma situação-limite.  Tida como protótipo da beleza meridional e napolitana, Sophia, no entanto, nasceu em Roma, em 20 de setembro de 1934, com o nome de Sofia Villani Scicolone. O pai logo abandonou a família que, sem recursos, mudou-se para Pozzuoli, na periferia de Nápoles. Durante a guerra, a cidade foi bombardeada e a família – mãe e duas filhas – buscou abrigo com parentes, em Nápoles. Consta que, durante um ataque aéreo, a garota Sophia foi ferida no queixo com o estilhaço de uma bomba. A família dava duro para sobreviver, mantendo um pequeno restaurante doméstico. Sophia já era admirada por sua beleza e tentou a sorte no concurso de Miss Itália aos 14 anos. Não ganhou, mas chamou a atenção de observadores em busca de rostos novos. Passou a posar para fotonovelas e, em 1950, começou a fazer pequenos papéis no cinema. Foi extra em Quo Vadis, uma superprodução dirigida por Mervyn LeRoy e ambientada na Roma Antiga. Fazia uma escrava da personagem de Deborah Kerr. Seu primeiro papel de destaque foi em O Ouro de Nápoles, de Vittorio De Sica.  A união com Carlo Ponti foi decisiva para a vida e a carreira de Sophia. Eles se conheceram em 1950, quando ela tinha 16 anos e ele, 37. União complicada, pois Ponti era casado e a esposa não assinava a separação.  Ponti foi o Pigmalião de Sophia, orientando-a na carreira, escolhendo os diretores certos e bons papéis. Mesmo conturbado por questões legais, o casamento deu certo e se manteve até a morte de Carlo, em 2007. O casal teve dois filhos, Carlo Ponti Jr. e Edoardo Ponti, o diretor de Rosa e Momo.  Sophia filmou muito nos Estados Unidos, tornando-se um nome internacional. Foi Ponti quem a levou a assinar um contrato de cinco filmes com a Paramount. Contracenou com os principais atores norte-americanos: com William Holden em A Chave (1958), Anthony Quinn em A Orquídea Negra (1959), Clark Gable em Começou em Nápoles (1960), Charlton Heston no sensacional épico El Cid (1961), Omar Sharif em A Queda do Império Romano (1963), Gregory Peck em Arabesque (1966) e Marlon Brando em A Condessa de Hong Kong (1966), de Charles Chaplin, entre outros.  Com um pé na América e outro na Europa, Sophia não deixou de filmar na Itália, tendo como partner constante Marcello Mastroianni. Estão juntos em Ontem, Hoje e Amanhã (1963), Matrimônio à Italiana (1964) e Um Dia Muito Especial (1977).  A filmografia de Sophia é extensa e o número de prêmios, idem. No site especializado IMDB, o nome Sophia Loren aparece em nada menos que 97 créditos de filmes. Papéis menores, protagônicos e mesmo em longas de episódios, como em A Rifa, de Boccaccio 70 (1962), em que ela interpreta o prêmio principal de uma loteria de feira, sob direção de De Sica.  Os prêmios somam 73, em concursos como Oscar, Globo de Ouro, Bafta (da Academia Britânica), Cannes, Berlim e César (da Academia Francesa). Alguns deles são honoríficos, como o César e um outro Oscar, esse de 1991, ambos pela carreira.  Quais os destaques nessa longa e produtiva trajetória? Por certo, Cesira, a mãe que tenta proteger a filha de 12 anos em Duas Mulheres, é um papel fundamental. Mas há também Antonietta Taberi, a dona de casa em Um Dia Muito Especial, de Ettore Scola. A Europa ferve sob o fascismo, Mussolini encontra-se com Hitler em Roma. Enquanto todos da casa vão ao comício, inclusive seu marido fascista, Antonietta mantém um estranho encontro com seu vizinho Gabriele (Mastroianni), jornalista perseguido por suas ideias. Poucas vezes, os âmbitos político e pessoal se mesclaram com tanta força como nessa obra-prima de Scola. Tanto Sophia como Mastroianni estão magníficos, num filme que transpira humanismo e compaixão, mesmo no clima de ódio e ressentimento da época fascista.  Mas como esquecer a comovente Filumena Marturano de Casamento à Italiana? Ou o triplo papel feminino em Ontem, Hoje e Amanhã? Ou mesmo a persistente Giovanna no um tanto meloso Girassóis da Rússia? Sophia, por sua beleza e seu talento, se tornou mais do que uma atriz talentosa e de sucesso. Virou um mito, desses que só o cinema sabe forjar. Sua influência foi enorme. Quem duvidar que veja o delicioso curta-metragem O Que Sophia Loren Faria, disponível na Netflix. O filme mostra uma senhora norte-americana, tão fã da atriz italiana que, a cada decisão difícil que precisa tomar na vida, se faz a pergunta do título: “Nesse caso, o que faria a Sophia Loren?”. E, ela jura, Sophia nunca lhe falhou. 

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