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"Hollywoodland", exibido em Veneza, retoma a trama noir

O filme baseado em fatos reais traz Ben Affleck no papel de George Reeves, cujo assassinato é investigado pelo detetive Louis Simo (um brilhante Adrien Brody)

Por Agencia Estado
Atualização:

Pode ser que o noir não esteja na moda e tudo não passe de coincidência. Mas, como explicar que, depois de "A Dália Negra", de Brian De Palma, o concorrente seguinte de Veneza seja este "Hollywoodland", de Allen Coulter, mais ou menos sobre o mesmo período, e também com o mesmo clima e mesma localização geográfica, lá mesmo na indústria dos sonhos Los Angeles? Bem, coincidência ou revival, o fato é que "Hollywoodland" se parece muito a um Chinatown dos anos 2000, e inspirado num fato real, o assassinato de George Reeves (Ben Affleck). Reeves era o Super-Homem da série de TV, encontrado com uma bala na cabeça, um suicídio aparente. Quem entra no caso é o detetive particular Louis Simo (um brilhante Adrien Brody), a pedido da mãe do ator, que não acredita que o filho tenha se matado. "Hollywoodland" tem todas as características de um noir, e mais ainda, a noção crítica de que a indústria da fama produz milionários e também produz miseráveis, uma consciência que Hollywood já tinha desde, pelo menos, "O Crepúsculo dos Deuses", de Billy Wilder. Aqui será a figura do detetive (como Jack Nicholson, na "Chinatown" de Roman Polanski) a descer aos infernos de uma sociedade movida pelo glamour. E pela corrupção. Não faltam ingredientes clássicos como a mulher vampiresca (Diane Lane) casada com um produtor voraz (Bob Hoskins), tão impiedoso com o mundo quanto compreensivo com a esposa. Também está lá a imprensa mundana, numa prefiguração do que seria a época da celebridade que é a nossa. Em entrevista, Brody comentou que o drama do personagem de Reeves, no fundo, é o de todo ator: "Nosso objetivo, nessa profissão, é criar um nível de credibilidade que, bem sucedido, acaba fazendo com que o público confunda o personagem com o sujeito real, de carne e osso." Essa confusão do público entre o real e o imaginário que lhe é servido cobra seu preço. O filme trabalha justamente nesse nível, no desejo pela fama, que acaba devorando muita gente no mundo do show biz. "Nesse sentido", acho que quis fazer um filme sobre a busca da identidade, que atinge dois homens, o ator George Reeves e o detetive Lous Simo" diz o diretor Allen Coulter sobre este que é o seu longa-metragem de estréia. De fato, Reeves é o ator que não se conforma em ser apenas um Super-Homem da TV e quer mais. Simo também quer ser um super-homem em seu campo de atividade. Não hesita em descer aos infernos para isso e também terá seu preço a pagar. Um belo filme, com um pé no aspecto trágico da indústria da fama. Lennon - É curioso que a história da morte violenta de um ídolo popular tenha lembrado também um outro bom filme exibido na véspera, o documentário "The US vs John Lennon". O ex-Beatle John Lennon, como se lembra, foi assassinado a tiros em Nova York, onde morava. O crime chocou o mundo em 1980, mas o documentário de David Leaf e John Scheinfeld recorda que Lennon era, havia muito, figura indesejada nos Estados Unidos. Por seu apoio às manifestações contra a Guerra do Vietnã, e por outras atitudes libertárias malvistas pelo FBI, Lennon sofreu pressões e um longo processo de expulsão dos Estados Unidos, que só teve fim com a renúncia de Nixon no desfecho do caso Watergate. O filme é um documento bastante vivo sobre a época, sobre aquele arco do tempo que vai dos anos 60 aos 80, ou seja, do sonho à queda na real. Era um tempo em que ainda se acreditava em causas coletivas e no processo de liberação dos indivíduos e da sociedade. Concorre na mostra Horizontes, a mesma do brasileiro "O Céu de Suely", de Karim Aïnouz, que tem sessão marcada para sábado que vem, no fim do festival. Também nesta mostra Horizontes compete "Infamous", de Douglas McGrath, nova interpretação da história do escritor Truman Capote. Inspirado no livro de George Plimpton sobre o autor de "A Sangue Frio", McGrath recria a atmosfera frívola de Manhattan e depois a opressiva do Kansas, para onde Capote foi em busca da história que faria sua fama - o assassinato de uma família inteira numa até então sossegada cidade do interior. O diretor põe ênfase na homossexualidade do personagem, e seu envolvimento afetivo com um dos assassinos, Perry, um modo talvez utilitarista de obter confissões interessantes para o livro. O filme apresenta um tom trágico, insinuando que o sucesso também cobrou seu preço a Capote, que tornou-se decadente após a publicação e o êxito de "A Sangue Frio". Nada mais escreveu de significativo. Passou a beber cada vez mais e publicou apenas coletâneas de artigos pelo resto da vida. De certa forma, os filmes americanos apresentados até agora, tão diferentes entre si, falam sempre disso, do preço da fama, do fardo que significa obter sucesso em sociedade tão competitiva. Devem saber do que estão falando.

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