Hollywood estraga obra de Anne Rice

A cantora Aaliyah, que morreu em acidente de avião no ano passado, faz o papel da vampira Akasha em A Rainha dos Condenados, uma adaptação apressada da obra de Anne Rice

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Por Agencia Estado
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Chega este fim de semana aos cinemas americanos um dos mais intrigantes casos de destruição de uma consagrada obra literária por um estúdio de Hollywood. A adaptação de A Rainha dos Condenados, de Anne Rice, explora a tragédia da cantora de r&b Aaliyah, morta no ano passado em um acidente de avião. Ela interpreta a vampira Akasha, no filme, que tem elenco B e teve produção atribulada. A pergunta que os fãs de Anne Rice devem estar fazendo até hoje é como uma série que começou com Entrevista com o Vampiro, um filme dirigido por Neil Jordan e estrelado por Tom Cruise, Brad Pitt, Antonio Banderas e Christian Slater, foi ganhar uma continuação tão obviamente fraca - uma produção que já estava até cogitada de ir direto para as locadoras, não fosse a morte da cantora. Há dois anos, executivos da Warner Bros., que havia comprado os direitos para dois livros de Rice, descobriram que o prazo para o uso da segunda obra estava expirando e começaram a produzir, às pressas, um novo filme. Curiosamente, Cruise, Pitt e uma série de outros nomes de peso de Hollywood não quiseram aceitar papéis no novo filme. A entrada do diretor Michael Rymer, razoavelmente conhecido por filmes orientados para o público negro, como In Too Deep, de 1999, deu, definitivamente, um caráter menos mainstream à produção. Aaliyah, que teve sua atuação elogiada em Romeu Tem Que Morrer, foi a primeira a ser contratada, para fazer o papel da vampira Akasha. A decisão não caiu bem entre os fãs radicais da série, já que a descrição da personagem não tinha nada a ver com a estrela. A escolha de Stuart Townshend, ator de alguns pequenos filmes que não fizeram sucesso, também não ajudou. Para fazer a voz do vampiro Lestat, foi convocado Jonathan Davis, do Korn, uma tentativa de atrair o público do rock. Depois que o filme foi rodado na Austrália, o produto final desapontou audiências de testes e começou a passar por modificações. Para piorar, foi classificado como R (restrito para maiores de 17 anos), o que impede a divulgação na MTV, justamente o público-alvo de A Rainha dos Condenados. A decisão de nem levar a fita aos cinemas já estava sendo cogitada quando Aaliyah morreu, no início de agosto apesar de o diretor ter negado a informação em entrevistas recentes. De qualquer maneira, a comoção que seguiu a tragédia reanimou o estúdio a lançar o filme com a aprovação da família. Os produtores tiveram que enfrentar um novo problema: alguns dos diálogos sussurrados de Aaliyah não tinham boa qualidade. O irmão da cantora, Rashad Haughton, foi convocado para imitar sua voz. A técnica já havia sido usada em Assim Caminha a Humanidade, de 1956: James Dean, que morreu antes da conclusão do filme, foi dublado por seu amigo Nick Adams. Nas últimas semanas, a Warner teve de enfrentar mais problemas, agora relacionados à divulgação. Cartazes com a foto da cantora e a frase Tudo o que ela quer é o inferno na terra foram recolhidos às pressas depois de serem considerados impróprios. O material de divulgação distribuído a jornalistas não faz nenhuma referência à morte de Aaliyah e o diretor defende-se dizendo que qualquer que fosse a decisão do estúdio, haveria críticas. Sempre vai haver alguém dizendo que o filme deveria ser enterrado junto com a pessoa, disse Rymer à revista americana Entertainment Weekly. O fato de que Townshend disse que o filme é meio cafona e engraçado também não ajudou muito. Se Aaliyah estivesse viva, talvez A Rainha dos Condenados tivesse sido apenas uma má escolha em uma promissora carreira no cinema (ela iria aparecer na continuação de Matrix). É pena que o que começou com um projeto de aproveitar uma compra de direitos autorais feita há quase dez anos tenha acabado em uma produção que não faz jus ao talento da cantora e muito menos ao do tamanho da obra de Anne Rice.

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