Hollywood é sensível à temática judaica

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Por Agencia Estado
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Há cinco anos realiza-se em São Paulo o Festival do Cinema Judaico. Há quatro, uma das atrações da mostra tem sido a apresentação do vencedor do Oscar de documentário - prova de quanto a Academia de Hollywood é sensível à temática judaica. O festival deste ano não foge à regra. Vai mostrar, uma única vez, por exigência do produtor Arthur Cohn, One Day in September. O documentário dirigido por Kevin McDonald ganhou o Oscar da categoria, em março. Havia a expectativa e até mesmo a torcida de que o prêmio fosse para Wim Wenders, por seu admirável documentário sobre a velha-guarda da música cubana, Buena Vista Social Club. A premiação de One Day in September pode ter colhido muita gente de surpresa, mas certamente não foi uma injustiça. Numa entrevista por telefone, de Zurique, Cohn conta que o projeto desse filme lhe foi apresentado há dois anos pelo diretor Kevin McDonald. "Já ganhei seis vezes o Oscar e produzi inúmeros filmes, mas só dois deles são ligados à temática judaica", explica. Por O Jardim dos Finzi-Contini, que Vittorio De Sica adaptou do romance de Giorgio Bassani, ele recebeu o Oscar de melhor filme estrangeiro de 1973. O tema era o holocausto por meio da narrativa da desintegração de uma artistocrática família judia da Itália. Embora o holocausto não seja o tema de One Day in September, não deixa de estar referido como subtexto, já que o trágico evento de que trata o filme ocorreu na Alemanha, o país que gerou a besta do mal do nazismo. O dia em setembro a que se refere o título é aquele (setembro de 1972) em que o mundo foi surpreendido com a notícia de que terroristas palestinos haviam invadido o apartamento da delegação israelense nos Jogos Olímpicos de Munique, fazendo reféns os atletas que ameaçavam matar, se não fossem atendidas suas exigências. Elas giravam basicamente no pedido de libertação dos palestinos presos em Israel. A Olimpíada foi manchada de sangue. Cinco dos oito terroristas e 11 atletas morreram no episódio. Naquele ano, foram destroçados os ideais olímpicos do barão de Coubertin. E o fato repercutiu ainda mais porque ocorria na Alemanha, o país do holocausto. "Por mais cinematográfico que seja o tema, durante 28 anos esse filme não foi feito; por quê?", pergunta Cohn ao telefone e ele mesmo responde: "Porque não ficaria bem fazê-lo com atores, de forma ficcionalizada". Por isso mesmo, embarcou no projeto que lhe foi trazido por Kevin McDonald. A idéia era reconstituir o massacre de Munique por meio de material de época e entrevistas com os sobreviventes. Durante dez meses, pesquisaram nos arquivos de todo o mundo, coletando e selecionando material. "Aprendemos muito com Oliver Strone, vendo JFK", ele diz. A lição de Stone é que material de arquivo pode ser usado de forma tão brilhante e criativa. Mas, ao contrário de Stone, McDonald e ele não usam atores. "É por isso que nosso filme é mais verdadeiro", diz Cohn, que usa muito a palavra believeble (uma coisa na qual se pode acreditar), sobre One Day in September. A parte mais difícil foi chegar ao único sobrevivente dos oito terroristas originais - cinco foram mortos no aeroporto quando tentavam fugir, e três enviados para a prisão, na Alemanha, de onde foram resgatados após o seqüestro de um avião. Posteriormente, dois deles foram mortos pelo serviço secreto de Israel, o Mossad. Esse sobrevivente tem voz no filme. "Ele concordou que era tempo de falar, de dar a sua versão dos fatos." Por mais que One Day in September passe a indignação de Cohn e McDonald pelo brutal massacre, não deixa de ser surpreendente ver o terrorista afirmar que fez a coisa certa. "Depois de Munique, a causa palestina tornou-se conhecida em todo o mundo e Israel foi forçado a negociar conosco", ele diz. Cohn enfatiza o que, para ele, é o mais importante - "Nosso filme fala sobre o terrorismo, mas o que queremos dizer é que a negociação é mais importante do que a violência." Cohn ligou-se ao cinema brasileiro ao produzir Central do Brasil, de Walter Salles. Produz agora o novo filme de Salles Abril Despedaçado, que já está em rodagem. "Devo ir logo ao Brasil, na verdade, devo ir algumas vezes para acompanhar a produção", conta. Lamenta que não possa estar presente agora, no Festival do Cinema Judaico. Só tem elogios para Salles. "Uálter é tão grande quanto De Sica, com quem eu trabalhei só no fim da vida dele, mas foi uma experiência artística e humana extraordinária." Conta que fez One Day in September com dinheiro próprio, antes mesmo de conseguir armar uma distribuição internacional. O filme não tem distribuição assegurada no País. A sessão do dia 6, na Hebraica, às 20 horas, poderá ser a única no Brasil. Cohn explica por que seu documentário é tratado como thriller - "Kevin (o diretor McDonald) e eu estávamos de acordo nisso; queríamos fazer o filme para o público das salas; não queríamos um documentário acadêmico de TV."

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