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"História Real" mostra outra face de David Lynch

Filme que estréia nesta sexta conta a história verídica de um homem idoso que atravessa o país num cortador de grama para visitar ser irmão doente

Por Agencia Estado
Atualização:

Como se trata de um filme de David Lynch, História Real, que estréia nesta sexta-feira, deve ser primeiro definido pelas negativas: nele não aparece nenhuma perversão, morbidez ou aberração. Se existe algo de estranho nele - e existe - é sua profunda humanidade, fato que o coloca fora do esquadro contemporâneo, se a coisa for vista de determinado ângulo. Por outro lado, talvez nunca esse tipo de filme "positivo" tenha sido tão necessário como contrapeso para um mundo duro demais. O que se conta na tela é algo, como diz o título, que aconteceu na realidade. Um velhote sabe que seu irmão está gravemente doente e decide visitá-lo. Acontece que os dois não se falam há muitos anos. Estão brigados. Alvin Straight (Richard Farnsworth) mora em Iowa e seu irmão, Lyle (Harry Dean Stanton), em Wisconsin. Alvin não tem como viajar. Não tem dinheiro, quem o leve ou mesmo uma carteira de motorista. Enxerga muito mal e sua saúde não vai bem. Pensa e chega à conclusão que o veículo possível para essa viagem será um trailer puxado por um cortador de grama. Sabe que levará algumas semanas para atingir o objetivo. É teimoso o suficiente para não fazer caso do sacrifício. No caminho, Lyle vai conhecer várias pessoas. Mas, a rigor, se trata de uma viagem de reconciliação consigo mesmo. Na velhice, Alvin deverá fazer um balanço de vida a sério e essa viagem ao encontro do irmão será a melhor ocasião para isso. Encontrar-se com outras pessoas, desconhecidos que eventualmente o ajudarão a prosseguir viagem, significará uma abertura ao mundo, mas também oportunidade para repensar seu passado. Alvin vive com sua filha Rose (Sissy Spacek, em pequeno papel, porém marcante). Está doente e não acredita em médicos. Cultiva seu enfisema de fumante e não parece disposto a abdicar de nada. O que ainda espera Alvin? Simplesmente tudo, ou seja, dar sentido à própria vida, mesmo e sobretudo quando se sabe próximo do fim. Por esse motivo, e não por outro, a sua será uma viagem iniciática. Seria fácil comparar essa viagem de Alvin com outra, uma das mais famosas da história do cinema, a de Morangos Silvestres, de Ingmar Bergman. O grande ator Victor Sjostrom faz o professor Isak Borg, um velho médico que atravessa o país para receber uma distinção acadêmica. No caminho, Borg, um egoísta convicto, marcado pelo ressentimento e pelo individualismo, tem oportunidade de repensar suas relações com o próximo. É uma das obras-primas de todos os tempos. Por isso, seria bobagem dizer que os dois filmes têm a mesma dimensão cinematográfica, mas pode-se achar que a inspiração de Lynch mantenha algum parentesco com a de Bergman. Sempre se trata, em ambos os casos, da humanização de personagens idosos, que a luta pela vida transformou em seres duros. Em História Real há um dado a acrescentar. Tantas vezes usado como palco da violência, a "América profunda", o interior dos EUA, agora é mostrado em sua vertente mais amena. As pessoas são simples, amigáveis, diretas - e dispostas a ajudar. É um outro lado da coisa e deve corresponder à realidade que, como se sabe, tem sempre mais de uma face. História Real (The Straight Story). Direção de David Lynch. EUA/99. Duração 111 minutos. Censura 12 anos.

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