
23 de outubro de 2014 | 03h00
Cantinflas é um herói dos pobres. O tipo criado por Mario Moreno é o homem simples, até rude, e que, pela astúcia, inteligência natural e malícia, consegue impor-se aos ricos, aos poderosos, aos mais bem educados formalmente do que ele.
Esse tipo popular é um arquétipo, que assume muitas formas e rostos ao longo da História - dos malandros Ascilto e Giton, do Satyricon de Petrônio, o Lazarilho de Tormes (narrativa anônima do século 16), Macunaíma, de Mario de Andrade, o Jeca de Mazzaropi, João Grilo do Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna e, claro, o modelo maior de Mario Moreno, o genial Carlitos de Charles Chaplin. Ao esculpir e dar forma a esse personagem, Mario Moreno entra para a história da comédia, essa grande arte popular tão maltratada em nossos dias.
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A inspiração de Cantinflas em Carlitos é notória. O tipo físico, o chapeuzinho, a roupa apertada, os sapatos grandes demais até mesmo o andar e alguns trejeitos. São estranhas figuras, que ganham harmonia pela desproporção das formas. Paradoxos ambulantes, que tinham tudo para dar errado e acabaram dando certo.
Mas não se trata de cópia. Mario Moreno recicla o personagem de Chaplin e lhe dá sotaque e personalidade mexicanas, desenvolvidas ao longo da maioria dos seus 55 filmes. Ao dotá-lo de qualidades tão locais, torna-o universal, como acontece com todos esses grandes malandros da literatura e do cinema.
No Auto da Compadecida, Satanás pede a condenação de João Grilo por seu excesso de malícia, mas Nossa Senhora o defende com a frase lapidar: “A esperteza é a coragem do pobre”. Deve ser por isso que nos divertimos com esses tipos e, pela mesma razão, nos comovemos tanto com eles.
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