Hector Babenco fala sobre seu próximo filme

O Passado, baseado no romance homônimo do escritor argentino Alan Pauls, terá como protagonista o mexicano Gael García Bernal

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

O próximo filme de Hector Babenco será sobre um homem que amava as mulheres. Um macho sensível, vivido pelo mexicano Gael García Bernal, ator que fez o jovem Che Guevara em Diários de Motocicleta, de Walter Salles. A história de O Passado é baseada no romance homônimo do escritor argentino Alan Pauls (leia entrevista abaixo), livro que Babenco descobriu por acaso no aeroporto quando ia visitar a mãe doente em La Plata, na Argentina. Encantou-se com a história de um casal que continua a viver sua história de amor, mesmo depois da separação. Na parte brasileira do elenco, o diretor já escalou Paulo Autran, que faz um especialista em idiomas, e Betty Faria, no papel de uma das mulheres do protagonista. Diretor de filmes que falam de excluídos, como Pixote e Carandiru, Babenco descobriu, na adaptação de O Passado para o cinema, um motivo para voltar ao tema do amor. E da memória, como conta na entrevista exclusiva ao Estado. Você comprou o livro por acaso no aeroporto? Não, eu me lembrava que o Alan Pauls havia me entrevistado para a seção cultural de um jornal chamado Página 12, e que ele tinha feito uma matéria muito grande comigo e com o Ricardo Piglia, que eu tinha achado muito bem escrita. Não era absolutamente nada do que eu e o Piglia tínhamos falado (risos) mas era uma interpretação bem original e interessante do que tínhamos dito. Achei tão bom que fiz questão de guardar. Quando vi o nome dele na capa do livro, me lembrei. Vi que era um livro sobre a relação de um casal e comprei. Enfim, li, como o livro bateu muito forte em mim, alguns meses depois entrei em contato com ele e pedi uma permissão para filmar. A ação se passa toda na Argentina? Não. Parte na Argentina, parte em São Paulo. Os personagens vivem em Buenos Aires, mas viajam para São Paulo e depois retornam à Argentina. Então decidi fazer uma co-produção com a Shock Filmes, que são produtores do filme argentino que foi a Cannes este ano, Crônica de uma Fuga. O que o atraiu nessa história? O filme me tira um pouco do universo em que fiquei muito tempo - o dos excluídos. É o efeito ´Pixote´ em sua vida? Não apenas: é o Pixote, mas também Beijo da Mulher Aranha, Carandiru, uma série de filmes. Agora estou retornando ao universo da emoção, dos sentimentos, à relação homem-mulher. Será um filme muito ligado ao feminino, tem quatro personagens femininas. Tem a mulher dele, de quem ele se divorcia no início do filme. Esse retorno aos sentimentos é também uma volta ao universo de Coração Iluminado, seu filme mais intimista? Olha, eu acho que é um lado meu que de alguma forma eu posterguei, para não dizer mais brutalmente que massacrei. Agora estou querendo recuperar algo que deixei durante muito tempo esquecido. Que são a importância do silêncio, do olhar feminino, a importância do sentir. Estou dando a pole position ao sentir e não à razão. Então eu quero fazer um filme mais íntimo, mais delicado. Um filme que lida com uma masculinidade mais fragilizada, longe desse arquétipo masculino comum na dramaturgia moderna e na televisão. Sei lá, esse poder atribuído ao homem que ele não necessariamente é obrigado a ter. Acho que se confunde muito masculinidade com falta de sensibilidade. Então estou tentando reconstruir um ser masculino meu que ficou muito automatizado no seu comportamento em função de ter dado muita importância a outros aspectos da minha percepção, da minha descoberta. Enfim, para não me repetir: me deu vontade de fazer um filme sobre a relação do homem e da mulher. Que supera a sexualidade, que supera o casal, que supera o casamento. Um filme que lida com a memória, que lida com a importância das relações que a gente estabelece ao longo de uma vida. E com a importância que tem o passado no tempo presente. Esse é um tema interessante - a influência do passado no presente e que talvez extrapole o âmbito dos relacionamentos humanos. Parece que, de maneira geral, todos estamos tendo problemas em nos relacionarmos com o passado, não acha? O filme diz o seguinte: uma separação também pode ser uma parte de uma grande história de amor, não é bonito isso? A separação também faz parte de uma história de amor. Ou, dito de outro jeito, as pessoas não se separam: as pessoas se abandonam. Os relacionamentos significativos você leva pela vida afora. Você não os encerra, como se não tivessem acontecido. Em geral as mulheres são mais dependentes de uma relação que acabou, porque elas consideram que aquele ser, o homem, é resultado de uma relação que tiveram. Ao passo que os homens têm uma atitude mais selvagem, mais resoluta, de buscar uma nova relação, sem carregar na mochila o peso de um relacionamento que acabou. Agora, no pingue-pongue que eu proponho, esses termos são tratados muito mais ao nível do inconsciente do que das intenções conscientes dos personagens. Por exemplo, como pequenos acontecimentos podem influenciar a tua vida e se transformar em grandes tragédias. É disso que trata o filme. Não é pretensioso, não é um filme de tese, é apenas isso. Amoroso, de grande amor à mulher, a todas elas. Filme de um ser masculino, que não é um machão. E nisso me identifico um pouco. Um homem que ama as mulheres. Alguma coisa a ver com o filme de Truffaut, que tem esse nome? Mas aí é a história de um conquistador, embora não escroto, porque o Truffaut seria incapaz disso, pois tinha a alma feminina. Mas, no caso, me interessa muito mais o Truffaut que o personagem dele. Você mesmo escreveu o roteiro? Marta Góes escreveu a primeira versão, que foi o destrinchamento do livro. As versões finais do roteiro estão sendo feitas por mim. Notei que para fazer a versão em espanhol, já que o filme será falado nessa língua, seria complicado. Então, as últimas versões foram feitas por mim, mas o trabalho da Marta foi muito útil. Vai ser uma produção falada inteiramente em espanhol? Não: a parte argentina será em espanhol e a parte brasileira, em português - é uma co-produção. Essa famosa integração latino-americana, que nunca acontece porque nossas diferenças parecem maiores do que aquilo que nos aproxima, bem, ela será feita na prática, já que achei uma história que acontece nos dois países. Você mexeu muito no livro para fazer o roteiro? A história, no livro, está enterrada em literatura. É só subjetividade, de como o personagem está vendo as coisas. Como em Coração Iluminado, que foi um filme recebido de maneira reticente. É uma poética difícil, exigente, e talvez eu esteja correndo o mesmo risco com este. Mas, como eu não faço filme para o público... Faço filmes para uma única pessoa, que vai estar sentado na quinta fileira e que se chama Hector. Eu faço o filme para mim. Eu me pergunto: o que o Hector gostaria ou não? E acabou-se.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.