Halle Berry pode fazer história com "A Última Ceia"

O filme que estréia amanhã é um dos bons filmes do Oscar 2002. Por sua atuação, Halle pode quebrar uma série de tabus em Hollywood, entre eles a conquista de um Oscar por uma atriz negra

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Por Agencia Estado
Atualização:

Halle Berry ganhou o prêmio do Actor´s Guild por seu papel em A Última Ceia. É um dos indicadores do Oscar. Se, realmente, ganhar no domingo, como se espera, o prêmio da Academia de Hollywood, Halle estará fazendo duplamente história. Não será só a primeira negra a receber a cobiçada estatueta. Será também a primeira atriz, independentemente de cor, a receber o prêmio por um papel que inclui sexo oral. A cara dela ocupa toda a tela, aquela imensidão de espaço. Billy Bob Thornton escorrega para baixo, até sair de cena, e Halle simula o êxtase do orgasmo. Jeanne Moreau fez a mesma coisa, há mais de 40 anos, no filme de Louis Malle, Os Amantes. É a primeira vez que isso ocorre no Oscar. Não é o menor dos atrativos de A Última Ceia, o filme de Marc Forster que estréia nesta sexta-feira. Aquele corpinho - na verdade, corpão - já está ficando nosso conhecido. Halle Berry já havia criado um papel sexy em Bullsworth, de (e com) Warren Beatty. Apareceu nua pela primeira vez em A Senha. Halle gosta de dizer que, se soubesse que um nu faria tanta diferença em sua carreira, teria topado antes. Existe a cena de nu, uma outra de histeria, mas na maior parte do tempo sua interpretação maravilhosa não parece ter muito o perfil do Oscar. É interiorizada, econômica. A academia prefere as interpretações gritadas, os efeitos. Se ganhar, Halle estará fazendo história triplamente, talvez. A Última Ceia é um dos bons filmes do Oscar 2002. A história é uma desgraceira só: Billy Bob Thornton faz um agente penitenciário. Seu filho, interpretado por Heath Ledger, de O Patriota e Coração de Cavaleiro, também é. Ambos trabalham no corredor da morte onde o marido de Halle será executado na cadeira elétrica. Ocorrem, de golpe, mais mortes do que o espectador poderia imaginar. Thornton e Halle encontram-se sozinhos. Protagonizam, no auge da carência, uma cena de sexo selvagem. Tudo isso já é forte, mas há mais o aspecto branco-e-preto da questão racial. Hollywood não é muito pródiga em histórias de casais interraciais que vão para a cama (ou fazem no sofá mesmo, como Thornton e Halle). Para agravar, o pai de Thornton, interpretado por Peter Boyle, é um racista furioso. Incutiu o racismo no filho. Até certo ponto, a história de A Última Ceia é sobre a humanização de Thornton, quando ele descobre o amor, e não apenas o sexo, com a mulher afro-americana. Justamente o sexo. A primeira cena do filho de Thornton mostra o ato sexual destituído de toda afetividade. Vira uma coisa animal. Mais tarde, o próprio Thornton tentará repetir a mesma cena (ou a mesma posição), com a mesma prostituta. A Última Ceia é sobre a necessidade de amor. Isso, Uma Lição de Amor, outra estréia de amanhã, também é. Mas não há nada mais diferente do que esses dois filmes. Por mais qualidades que possa ter Uma Lição de Amor, não alcança a intensidade de A Última Ceia. O final é de um desencanto que dá nó na garganta, quando Halle faz a descoberta decisiva sobre a identidade de Thornton. Há um descompasso entre o homem e ela que, guardadas as proporções, evoca o célebre desfecho de Jeanne Moreau e Marcello Mastroianni em A Noite, o opus 2 da trilogia da solidão e da incomunicabilidade de Michelangelo Antonioni. O que eles falam nessa cena talvez seja mais importante do que aquilo que ela, principalmente, revela ao reprimir suas emoções. Foi por esse momento, com certeza, que ela ganhou o prêmio do Sindicato dos Atores. O diretor Forster, definindo A Última Ceia, disse que é uma história de silêncios interrompidos. Hank e Letícia, os personagens de Thornton e Halle, precisam sofrer grandes perdas para perceber a sua necessidade de amor. Como todos os personagens do filme, são vulneráveis, amam e odeiam ao mesmo tempo. Letícia odeia o filho gordo e o garoto compensa-se comendo vorazmente chocolate às escondidas, Hank odeia o filho fraco e o garoto reage ao seu ódio com um amor que o leva a praticar um gesto radical. Forster já disse que quis fazer de A Última Ceia um filme de emoções mais do que de ações. Se você contar a história desse filme a alguém a pessoa poderá chegar, erroneamente, à conclusão de que é horroroso. Poderia ser - se o diretor, trabalhando com emoções tão extremas, não tivesse optado por ser tão rigoroso. Forster é (quase) um Robert Bresson que não esvazia seus atores e que, pelo contrário, acredita neles. Leva o espectador a compartilhar essa crença. Seria injusto dizer que nunca um furacão negro assolou com tanta força sexual o firmamento de Hollywood. Seria, não. É injusto, porque antes de Halle Berry houve Dorothy Dandridge, que foi a Carmen negra de Otto Preminger (em Carmen Jones). Mas Halle vai adiante de Dorothy. Domingo, essa bela mulher, atriz talentosíssima, poderá fazer história. Torcer por Halle não é só um ato de justiça estética, em reconhecimento ao seu talento, à sua beleza. É também um gesto de militância política. A Última Ceia (Monster´s Ball). Drama. Direção de Marc Forster. EUA/2001. Duração: 111 min.

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