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Gustavo Dahl é tema do Canal Brasil

Atualmente diretor-presidente da Agência Nacional do Cinema, Dahl dirigiu três longas em trinta anos de carreira, e é este seu trabalho que o Canal Brasil quer mostrar na série Retratos Brasileiros

Por Agencia Estado
Atualização:

Como presidente da Ancine, a Agência Nacional do Cinema, Gustavo Dahl é hoje um dos homens mais poderosos do cinema no País. Tem representatividade para falar sobre as aspirações da classe, rumo ao estabelecimento (muito sonhado, sempre postergado) de uma indústria cinematográfica brasileira. Existem - existiram, ao longo do tempo - surtos. Costumam ser bruscamente interrompidos. Desta vez, com a Ancine, cuja função é criar condições para o fomento do cinema brasileiro, por meio de uma política macro para o setor, a expectativa é de que haja um avanço real. Gustavo Dahl está à frente desta nova cruzada. Há o executivo, em que ele se transformou. E há o diretor, que há tempos não realiza nada - em termos de filmes, tentando tornar viáveis os filmes dos outros. Esse Gustavo Dahl diretor é o homenageado desta quarta-feira do Canal Brasil, que exibe um especial da série Retratos Brasileiros, a ele dedicado. Apesar de referências inevitáveis a ênfase não está no ex-presidente do Concine, órgão regulador do mercado, na era da Embrafilme. Também não está no diretor-presidente da Ancine. Está no artista que fez poucos filmes em mais de 30 anos de carreira. O primeiro, O Bravo Guerreiro, vai ao ar logo após o Retratos Brasileiros de amanhã. Há outros dois longas feitos para cinema - Uirá, Um Índio em Busca do Brasil e Tensão no Rio -, somados a especiais para televisões do Brasil (a Globo) e da Europa (principalmente a RAI). Glauber Rocha tinha o maior apreço por O Bravo Guerreiro. O filme é de 1968, um ano crucial. É verborrágico ao extremo. Traz Paulo César Peréio, um dos finalistas ao Prêmio Multicultural Estadão 2002, num de seus papéis mais importantes. Ele faz um jovem deputado de oposição que resolve se infiltrar no governo, achando que só assim poderá fazer alguma coisa pela causa pública. Maria Lúcia Dahl, na época casada com o diretor, é a mulher desse (anti)herói que representa muitos dos dilemas enfrentados pelos próprios autores do Cinema Novo, numa fase em que a ditadura militar fortalecia o aparelho repressivo, após a outorgação do AI-5. Como combater a ditadura? Infiltrando-se naqueles organismos que ainda dispunham de alguma forma de representação política ou cultural? E, ao fazê-lo, seria possível manter a integridade pessoal? Ainda Glauber: ele dizia que O Bravo Guerreiro era o primeiro ato de uma tragédia em que o povo tem medo das palavras do herói. Não são palavras quaisquer: são arrancadas do fundo de um mundo arrebentado por conflitos políticos. E são verdadeiras - ainda mais na voz de Peréio, um ator que virou personagem de si mesmo e sempre teve consciência do poder aliciante de sua dicção. O Bravo Guerreiro poderia ser um filme construído numa perspectiva romântica, porque chega o momento em que o guerreiro, afinal, para viver conforme sua consciência, precisa sacrificar-se. Mas a tragédia do filme não é o sacrifício, em si. A tragédia está - e Glauber amava o filme por isso - na decisão moral do guerreiro em dizer a verdade e sua renúncia pessoal de lutar, quando ele compreende que já é inútil e que o povo é que tem as verdadeiras qualidades para a batalha política. É interessante ver O Bravo Guerreiro, feito um ano depois de Terra em Transe, e comparar a cena em que Paulo Martins, no filme de Glauber, cala a boca do personagem que representa o povo e compará-la com a fala extensa do guerreiro deputado de Gustavo Dahl. São diferentes faces de um mesmo discurso. É um filme importante, talvez árido, mas a aridez faz parte do contexto, do próprio momento em que foi feito. Está no modelo adotado por Dahl, que é o cinema de Jean-Marie Straub, de quem o público conhece as obras mais recentes - Gente da Sicília e Operários e Camponeses, realizados em co-autoria com Danièle Huillet. Straub representava na época - continua representando hoje - algo muito avançado, em termos de linguagem e política. Gustavo Dahl nasceu em Buenos Aires, em 1938, e viveu em Montevidéu. Chegou a São Paulo em 1947, ligando-se, nos anos seguintes, a críticos como Rubem Biáfora e diretores como Walter Hugo Khouri. Foi depois para Roma, onde cursou cinema no Centro Sperimentale, tendo como colegas Paulo César Saraceni e Bernardo Bertolucci. Na volta ao País, estava integrado ao movimento do Cinema Novo. Seu melhor filme não é esse de amanhã, mas o que o Canal Brasil mostra no dia 20 - Uirá, Um Índio em Busca do Brasil. O terceiro, Tensão no Rio, não merece tanta reverência. Pode-se compreendê-lo na trajetória do diretor. Mais difícil é aceitá-lo, ou defendê-lo. Voltado hoje mais para cargos administrativos ou executivos, Gustavo Dahl não aceita que tenha encerrado sua carreira como diretor. Tem projetos de filmes, mas eles podem esperar. Sua prioridade, agora, é a Ancine. Retratos Brasileiros - Gustavo Dahl - Amanhã, às 23 horas, no Canal Brasil, da Net/Sky. À meia-noite, O Bravo Guerreiro

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