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Guiado pelas memórias do sedutor, Benoît Jacquot retrata o último amor de Casanova

Cineasta fala do novo filme, que estreia quinta, 26, sobre a mulher que o grande amante não conseguiu seduzir e o atual impasse das relações entre homens e mulheres

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Benoît Jacquot adora revisitar o passado com um olhar moderno. Numa entrevista por telefone, da França, ele aproveita para dizer que está em plena pré-produção do próximo filme, mas adoraria ter vindo ao Brasil, para o Festival do Rio. O repórter comenta que viu Les Misérables e ficou impactado pelo longa de Ladj Ly. “Ainda não vi, mas aqui o filme causou verdadeira comoção pelo modo como enfoca a periferia.”

O repórter comenta a sensação de urgência, mas observa que, em seus filmes de época – Adeus, Minha Rainha, O Diário de Uma Camareira –, por mais acurada que seja a reconstituição, o próprio Jacquot parece sempre empenhado em traçar similaridades com o presente. E isso vale para O Último Amor de Casanova, que estreia na próxima quinta, 26. “Você pode estar certo que sim. Às vezes chego a pensar que me ocupo muito mais da realidade nos filmes de época do que naqueles que abordam a atualidade.”

Vincent Lindon é o Casanova mais 'humano' do filme de Jacquot Foto: California Films

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Por que retornar ao mito do grande sedutor, depois que o jovem Giacomo já foi tema de Luigi Comencini em As Primeiras Experiências Amorosas de Casanova e que, decadente, foi filmado por Federico Fellini (Casanova de Fellini) e Ettore Scola (Casanova e a Revolução).

“Imagino que você esteja querendo saber por que me arrisco em possíveis comparações, mas a verdade é que, se isso me importasse, não teria voltado ao romance de Octave Mirbeau (O Diário) que foi adaptado por Jean Renoir e Luis Buñuel. No caso de Casanova foram suas memórias que me atraíram. Havia lido muito jovem, e depois retomei muitas vezes àquelas páginas, porque é muito bem escrito, e principalmente muito sincero. O Casanova de Fellini é uma marionete e Federico o detesta. Meu Casanova é humano, e eu gosto muito dele. Interessei-me sobretudo por sua ligação com a cortesã Charpillon, a única mulher que ele desejou e não possuiu. Me pareceu que seria importante usar o episódio para abordar o atual impasse das relações entre homens e mulheres. Você vai concordar comigo que as mulheres estão mais poderosas, e isso tende a fragilizar os homens.”

E como ele chegou a Vincent Lindon para o papel? No Brasil e no mundo, Lindon virou o emblema do trabalhador consciente e do homem que contesta o sentido da globalização, naquilo que carrega de exclusão social. “Na França é a mesma coisa, Vincent é muito respeitado como cidadão, como porta-voz de uma consciência da classe trabalhadora. Nesse caso, não fui eu que o busquei. Já havíamos trabalhado juntos (no Diário) e, ao saber que eu queria fazer um filme sobre Casanova, ele me apresentou um ultimato. ‘Casanova sou eu!’ Não me deixou alternativa.” Lindon não é um homem particularmente bonito, nem passa a ideia de um grande amante. Então, por quê? “Justamente por tudo isso que você está dizendo. O filme não é sobre o sucesso de Casanova com as mulheres, mas sobre seu fracasso, a mulher que outros possuíram e que o rejeitou.” No filme, questões como dinheiro, jogo e bancarrota são viscerais.

“Era o que me interessava filmar. Tirar nosso homem da sua zona de conforto e do seu cenário habitual, a Itália e a França, para mostrá-lo na Inglaterra, onde ele não se sente tão à vontade.” É um mundo mais frio, estranho, à falta de uma definição melhor. De cara, num jardim inglês, Casanova vê um nobre defecando, e de pé. “A cena é descrita no livro, não se trata de nenhuma invenção minha. Achei bizarra, e metafórica. Um mundo em que as pessoas, os ricos, os poderosos, defecam para os outros. Tem a ver com esse desprezo, ou desinteresse pelo outro, que caracteriza nosso tempo, não?”

Casanova está sempre jogando, isso é, arriscando-se. “Essa ideia do jogo define a forma como ele vê sua relação com as mulheres. Arriscar, e ganhar. Mas Charpillon não aceita esse jogo. Ela exige, ou espera, amor. É uma atitude tipicamente feminina. Por mais que o mundo tenha mudado, as mulheres ainda se ocupam dos sentimentos, enquanto nós, homens, somos movidos pelo sexo.”

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A atriz? “Stacy (Martin) é inglesa e eu a vi no filme de Lars Von Trier, Ninfomaníaca. Sua entrega e falta de pudor me seduziram. Pensei que gostaria de filmar com ela e a oportunidade surgiu. Não havia por que desperdiçar.” Valeria Golino? “Precisava de uma mulher madura, carnal. Valeria é tudo isso, e ainda é bela, talentosa. Talvez por ser diretora, sabe animar um set. Foi um imenso prazer trabalhar com ela.”

A movimentação da câmera? “Já falamos sobre isso (em outras entrevistas). Em geral sou muito austero no que se refere a cenários e ambientes, mas fundamento minha mise-en-scène nessa noção de mobilidade. Só que o faço do meu jeito. Quase sempre o movimento de câmera é para mostrar. No meu caso, é diferente. Temos uma palavra em francês para isso – dérober. Num sentido bem direto quer dizer roubar, mas também pode ser ocultar, subtrair, e mais que isso, subtrair-se. Para mim, o verdadeiro tema é esse sentimento meio oculto, que tento iluminar. Os personagens tentam, por diferentes vias, subtrair-se a suas obrigações, ou ao que se espera deles.” Jacquot realizou seu primeiro longa em 1975 – L’Assassin Musicien, com Anna Karina. “Era intensa, tinha uma sensibilidade à flor da pele”, diz da atriz que morreu. Jacquot filma muito e costuma ser assíduo em grandes festivais. “Mas isso está terminando. As fontes de financiamento para o cinema que faço estão minguando, e daqui a pouco sinto que será muito difícil. Aproveito enquanto posso.”

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