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Greenaway deixa tons de cinza desbotados

Extravagante, com várias cenas de sexo, 'Einstein in Guanajuato', filme do diretor inglês, virou o tititi do Festival de Berlim

Por BERLIM
Atualização:

Havia gente saindo pelo ladrão para ver 50 Tons de Cinza na sessão de imprensa, na Berlinale. A Sala Imax, a maior do complexo CineStar, lotou rapidamente, a ponto de mais duas sessões, em outras salas, serem remarcadas para dali a horas. Também lotaram, e muitos jornalistas ficaram de fora. É raro num grande festival como Berlim os filmes se beneficiarem dessa vitrine, mas sem a contrapartida das sessões de fotos e coletiva, mas é o que está ocorrendo. O escândalo do sadomasoquismo de 50 Tons, de qualquer maneira, está perturbando menos os críticos do que outras cenas gráficas de sexo no novo Peter Greenaway.

Quem segue a carreira do autor inglês multimidiático sabe do seu interesse pela grande pintura flamenga, que originou vários de seus filmes ensaios. Greenaway se atraca agora com um ícone do cinema, o diretor russo Sergei M. Eisenstein. Seu foco é antiacadêmico. Na terça,10, a exibição do chinês Gone With the Bullets levantara questões do tipo “o que um filme desse, de gênero” fazia na competição? Bullets é uma extravagância. Bem, o sentido de sua apresentação talvez fosse preparar o público de cinéfilos para outra extravagância, Eisenstein in Guanajuato. Greenaway percorre terreno minado. Tem gente que se arrepia só de ouvir falar que a obra-prima de Eisenstein, um dos filmes mais influentes de todos os tempos, O Encouraçado Potemkin, foi concebida em 1925 como propaganda da revolução russa.

O cineasta. Ele oferece um trabalho desconcertante, que dessacraliza o mito russo Foto: STEFANIE LOOS/REUTERS

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Seis anos mais tarde, Eisenstein foi fazer um filme nos EUA, a adaptação de Uma Tragédia Americana, de Theodore Dreiser. Não deu certo. Ele foi então para o México. Fez um filme que ficou inacabado e que se tornou uma obra mítica como It’s All True, de Orson Wells, também inacabado, dez anos mais tarde. O filme de Eisenstein, os fragmentos que se tornaram conhecidos, ganharam o título de Que Viva México! Eisenstein, Greenaway mostra, foi o primeiro autor de cinema popstar. Homossexual reprimido, direcionava sua sexualidade para o trabalho. O longa mostra o momento em que a sublimação deixa de funcionar. No México, Eisenstein conhece o homem que vai ser seu iniciador, seu amante.

Nu frontal, penetração, masturbação. Assim como Marlon Brando usa manteiga como lubrificante em Último Tango em Paris, o mexicano utiliza azeite, que escorre pelas costas do revolucionário diretor de Potemkin. O sexo de Eisenstein in Guanajuato virou o tititi do festival, mais que os tais tons de cinza. Fala-se muito no processo de Eisenstein, nos quilômetros de filme que ele rodou, mas do filme mesmo se vê pouco ou nada. Eisenstein descobre o culto dos mortos. Fica fascinado com a mistura de cristianismo e paganismo indígena. Simbolicamente, um índio cego é quem toca o sino, chamando para a oração. O resultado é um filme desconcertante, que dessacraliza o mito. Com todas aquelas cenas de sexo e incidentes dramáticos – na cama, mesa, rua – que revelam, não o Eisenstein assexuado da lenda, mas o outro, fortemente erotizado.

Se a teoria da montagem de Eisenstein fez evoluir a linguagem (e o cinema), o filme de Greenaway divide a história do gênio russo em antes e depois de sua passagem por Guanajuato. Assim como o mar, o sexo tem estado presente nos filmes.

Ontem mesmo, antes do filme de Peter Greenaway, passou o concorrente búlgaro, Aferim, de Radu Jude. Em 1835, na antiga Wallachia, dois representantes da lei caçam um fugitivo. O mandado que carregam dá conta de que um cigano fugiu da casa de um nobre porque roubou dinheiro. Depois que prendem o cara, aflora a verdade. Ele se tornou amante da mulher do nobre, foi denunciado e, agora preso, vai pagar pelo ‘crime’. Na estrutura medieval da Wallachia da época, servos, mulher, terras, a própria lei pertencem ao senhor feudal, ao nobre que pode dispor de tudo. E ele dispõe, castrando com uma tesoura o cigano, como se fosse um bicho.

O diretor critica o horror do mundo, mas acredita que as coisas, no século 19, já estavam mudando. E continuam, não necessariamente para melhor. A esperança é que nos move, de que sim.

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